Em uma cena do recente Elvis, o cantor passa por um corredor rumo ao estúdio onde vai gravar seu especial de Tv. No caminho, ele passa por uma foto de Nichelle Nichols como a Tenente Uhura. Nada mais é necessário para sinalizar que os tempos haviam mudado radicalmente nos últimos anos nos EUA. Rosa Parks, Greensboro, Selma, Montgomery, “Eu Tenho Um Sonho”. Esses momentos e muitos outros da luta pelos direitos civis estão naquela única imagem. Uhura é importante assim.
Nascida Grace Dell Nichols, Nichelle Nichols contou inúmeras vezes que decidiu deixar Star Trek no final da primeira temporada para trabalhar em uma peça na Broadway, seu grande sonho. Não o fez a pedido de Martin Luther King, que apontou a importância de sua personagem e de sua presença na TV para que o público visse as pessoas afrodescendentes como inteligentes, belas e capazes, e que Uhura era um modelo para mulheres e crianças.
A percepção de King se provaria correta vezes sem conta. A personagem batizada com uma variação da palavra Uhuru, liberdade em swahili, seria a inspiração para gente famosa como Whoopi Goldberg e a astronauta Mae Jemison. Mas, acima de tudo, seria uma imagem poderosa para o público. A prova de que o futuro seria diferente, que evoluiríamos como seres habitantes do planeta Terra.
O efeito colateral desse impacto foi o ofuscamento dos outros trabalhos de Nichelle Nichols, uma mulher multitalentosa e que já havia provado sua capacidade no competitivo mercado artístico. Ainda adolescente, aos dezesseis anos, Nichelle Nichols foi convidada por Duke Ellington para coreografar e dançar uma de suas suítes. Dona de uma linda voz, ela cantou com a banda de Lionel Hampton e no lendário Blue Angel Club, em Nova York, gravou discos e homenageou suas grandes influências, Billie Holiday, Mahalia Jackson e Sarah Vaughn em seu show Reflections.
No palco, Nichelle Nichols atuou no musical Kicks and Co. em 1961, e participou de uma montagem de Porgy and Bess em Nova York. Ela também participou da versão para o cinema de Porgy and Bess dirigida por Otto Preminger e estrelada por Sidney Poitier. Mas seu nome só passou a constar nos créditos da produção após ela se tornar conhecida. Durante as filmagens ela foi apenas uma dançarina não creditada, honra que compartilha com outro nome flamejante, a escritora Maya Angelou.
O momento que lhe abriu o caminho para fazer história, é claro, veio com O Tenente. Não pela série, que foi cancelada, ou pelo episódio em que ela trabalhou, porque ele não foi ao ar por tratar de questões raciais, coisa que a produção feita em consonância com o Pentágono não queria. Mas a colocou em contato com Gene Roddenberry, que a levou para Star Trek.
Star Trek, por sua vez, além de fazer seu nome ser incluído no elenco de Porgy and Bess, a levou à NASA, onde Nichelle Nichols fez uma pergunta simples: Onde está o meu povo? Em outras palavras, como Uhura vai nascer se vocês no comando continuam bloqueando o acesso de mulheres e pessoas não brancas no programa espacial? Seu trabalho de recrutadora colocou no espaço as primeiras mulheres, afrodescendentes, latinos e asiáticos. Nomes como Guion Bluford, Sally Ride e Judith Resnik.
Nichelle Nichols também escreveu. Saturn´s Child, em parceria com Margaret Wander Bonanno é a história de uma mulher parte humana, parte alienígena, cuja própria existência é debatida. Deveria ser o início de uma série, não seguiu em frente, mas mostrou o que Nichelle Nichols disse no título de sua autobiografia, Beyond Uhura, que ela era mais do que o papel que lhe deu a eternidade.
Perguntada se tinha ressentimento por ficar presa ao papel que a tornou um ícone, Nichelle Nichols dizia que sim. Como atriz, isso limitava sua oferta de trabalho. Mas, ela se ressentia de ser conhecida para sempre como Uhura? Não, ela dizia. NIchelle Nichols tinha “muito, muito” orgulho de Uhura. Aquele papel coadjuvante para o qual ela foi contratada sem salário, recebendo só pelo dia trabalhado e que não tinha nem prenome, não mudou só a história da TV, mas alterou o pensamento de todas as pessoas que viram Nyota Uhura como inteligente, bela e capaz.
Valeu, Ms. Nichols.
** É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita. Os CriCríticos não se responsabilizam pela opinião dos autores deste coletivo.