Crítica | Filme | Horizonte

Quando Rui diz que vai embora, o sobrinho se espanta e pergunta: quem recomeça a vida aos 72 anos?

A questão vem com toda a carga de que após “uma certa idade”, a vida se resume a uma banguela na ladeira rumo ao fim ou a um grande congestionamento diante do pedágio metafísico que leva a lugar algum ou a algum lugar, dependendo da crença do viajante. Horizonte, longa nacional que passou vencedor por vários festivais, mostra uma realidade além dessa que habita a mentalidade comum.

O fim e o começo

A decisão de Rui de sair de casa começa com a morte do irmão mais velho. Até aquele momento, Rui vive nos fundos da casa do irmão, avô do autor da pergunta aqui no início. O arranjo familiar determinava que o rapaz herdaria a casa, mas Rui poderia continuar vivendo ali até morrer.

Após o enterro, no entanto, o filho do falecido se muda para o imóvel com a esposa e a filha, trazendo consigo um antigo conflito familiar. Por conta dessa ruptura, ele determina, entre outras regras, que Rui se restrinja à casa dos fundos. Falar com os novos moradores, transitar pela casa ou mesmo cuidar das plantas é proibido. Sua presença deve ser invisível.

A situação impulsiona Rui à mudança para a Vila Horizonte, projeto de uma ONG destinado a idosos de baixa renda e sem família, ou com famílias indignas do nome. O novo espaço lhe devolve a dignidade de viver em paz, usufruir de sua casa sem restrições, tocar o violão e cantar, como fazia em companhia da vizinha e melhor amiga, Fia, a comentarista da vida alheia.

A Vila também lhe traz Jandira, que se muda para a casa em frente. Relacionamento que acompanhamos em seus vários estágios, do estranhamento ao companheirismo, da parceria ao romance. E que obriga a audiência a perceber que se a história fosse de dois jovens se conhecendo num novo endereço, não haveria estranhamento, nem surpresa. Nem usaria os adjetivos que odiosamente se popularizaram no trato com idosos, “bonitinho”, “fofo”. E que desumanizam tanto quanto as ordens de silêncio do sobrinho de Rui.

Sociedade e esperança

Nem o conflito familiar em torno do imóvel, ou o isolamento de Rui são incomuns. Na recente onda de vídeos com advogados nas redes sociais, questões de herança, carregadas de egoísmo, ressentimentos, revanchismo e ignorância ocupam o topo das questões. Em Horizonte, entretanto, a situação é também o que tira Rui do marasmo e lhe mostra que sua história só acaba quando terminar.

Apoiado principalmente na atuação forte de Raymundo de Souza, Horizonte é doce e singelo, sem ser simples. Ana Rosa, como Jandira, é também imperdível, mostrando como é possível expressar muito com o silêncio, a expressão raivosa que aos poucos vai se desfazendo. São atores em pleno comando de sua técnica, embalados por uma linda trilha sonora e direção que não foge de momentos contemplativos. Estreia em 15/2 distribuído pela A2 Filmes.

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