Por vezes me pego parado, mendigo do passado recente.
Depois dos oitenta anos, bate uma vontade imensa, saudades, no plural, de voltar, reciclar a mente cansada e querer voltar a escrever crônicas.
Ser cronista não é nada mais, nada menos, do que um escritor crônico.
Ou ainda: como dizia Luís Fernando Veríssimo, cronista é como uma galinha, pois bota seu ovo todos os dias.
Já Carlos Eduardo Novaes afirmava que crônica faz lembrar laranjas, podem ser doces ou azedas, serem consumidas em gomos ou pedaços, na poltrona predileta em casa ou espremidas na sala de aula.
Escrever crônica é ser fiel ao cotidiano, ao passado, presente e futuro em linguagem, sem ter vergonha, na primeira pessoa, como um poeta que declama seus sentimentos.
O cronista, como o puro poeta, através de suas crônicas, seja em qualquer dos estilos, de casos, fatos históricos, contos, ficção, do cotidiano, se apraz, se agrada, ao saber que o leitor ao ler o seu texto, crônica, descobre que a composição leu antes a sua história.
Logo, vamos à crônica, antes que ela se vá e simplesmente desapareça…
Voltar a ser jovem
Esquecer a idade e voltar sorrir, ver as cores vibrantes e amenas da natureza que nos cercam; sentir o aroma, perfume suave que exalam as flores no despertar da primavera, ouvir a melodia que nasce no gorjear dos pássaros anunciando o amanhecer; é caminhar, sentir o mar banhando seus descalços pés, no vai e vem das ondas a-te-saudar.
Voltar a ser jovem é acreditar, mesmo que seja só um pouco, na imortalidade do ser alma.
É aproveitar o dia e à noite, a hora ou minuto e viver intensamente; sabendo, acreditando que a manhã seguinte o levará a terra prometida, o destino dos seus sonhos.
Voltar a ser jovem é sonhar, não perder o encanto da surpresa, brincar, gargalhar após o susto te levar ao cagaço.
É ter abertura para o novo e respeitar o credo do velho. Aos domingos levantar no chamado do almoço na mesa e zoar da cara do síndico, por vomitarem na entrada do prédio.
Voltar a ser jovem é gostar de ler e tentar que todos se mantenham em silêncio, para não despertar da vida (sua) trocada com os personagens do romance. Acreditar no dia novo como obra de Deus.
É fechar os olhos e curtir o trem passar, a alface fresquinha e o cheiro de hortelã…
Ser jovem é até gostar de talco. Ser jovem é ter ódio do cheiro de fumo, do cachimbo, da bala jujuba e ser manipulado, usado.
Voltar a ser jovem é cantarolar fora do tom, mastigar rápido como o bater asas do beija-flor, engolir devagar como caminha o bicho-preguiça.
E conversar (bater-papo) com a baiana da feira, sonhar com a linda vizinha e dormir pensando na professora da irmãzinha; de preferência não usar meia marrom.
Estar jovem é andar confiante, de mãos dadas com a jovem mulher, sua primeira namorada. É ter coragem de nascer a cada dia e descobrir um belo que não conhecia.
Estar jovem é ter os olhos abertos para o passado, infância, amar a vida; é recordar o passado, viver o presente e sonhar o futuro.
Estar, viver jovem é misturar, nascer, tudo isso com a idade que tenha, não importa que seja cinquenta, sessenta, setenta, oitenta ou dezoito anos.
É sempre abrir a porta do coração com emoção. Esperar, ensinar aos outros que ainda não desistiu de querer.
Ser jovem é acordar, viver e dormir ao som, fundo musical de canções imortais que o tempo não apaga jamais…
Ser jovem é acordar todos os dias, olhar no espelho e dizer:
“Bom dia! Hoje há de ser o melhor dia da minha vida”.
