Até meados dos anos 1980, era fácil apontar a melhor música para um animado striptease. Era alguma escolhida entre aquelas típicas feitas para shows burlesque, preferencialmente por uma banda de jazz de New Orleans e gravada originalmente na época da guerra. Alguém poderia ainda citar The Stripper, de David Rose, do filme de 1962. Hoje, não mais: a canção de Joe Cocker, You Can Leave Your Hat On, reina absoluta no imaginário da cultura pop ocidental quando alguém deseja sensualizar.
As novas gerações talvez não saibam, mas o motivo disso é a cena de stripping icônica de um filme erótico que voltou agora aos cinemas brasileiros, décadas depois de estrear por aqui, para celebrar o Dia dos Namorados deste ano: 9 ½ Semanas de Amor.
Naquela cena do filme dirigido por Adrian Lyne, a atriz Kim Basinger, já alçada à condição de sex symbol após o sucesso em sua carreira de modelo e uma capa da Playboy, faz uma dança provocativa antológica. A atmosfera de videoclipe musical não negava a origem de Lyne como diretor de comerciais de lingerie para a TV alguns anos antes.
A história
Na narrativa, Elizabeth McGraw, a funcionária de uma galeria de arte de Manhattan, engata um tórrido romance com John Gray, um misterioso corretor de Wall Street vivido por Mikey Rourke (O Lutador, Sin City – A Cidade do Pecado). Mas acaba descobrindo que os limites entre prazer e dor, ou entre consentimento e barra forçada, nem sempre ficam muito claros.
Se você percebeu semelhanças entre essa história e a do romance com ares sadomasô da década passada, 50 Tons de Cinza, saiba que isso não é por acaso, já que 9 ½ Semanas é declarada inspiração do seu diretor Sam Taylor-Johnson. Ambos os filmes também são baseados em livros soft porn de sucesso e, no caso de 9 ½ Semanas, a fonte é a obra homônima da escritora austro-americana Ingeborg Day.
Naquele romance semi-autobiográfico, escrito sob o pseudônimo Elizabeth McNeill, uma mulher abandona seu casamento e a vida de professora em Wisconsin para a frieza e a impessoalidade de uma nova chance em Nova York. Lá, vive um relacionamento com alguém que não conhece, mas que vai iniciá-la no sexo, digamos, moralmente limítrofe.
La Basinger
Talvez por um paralelismo com a fragilidade da protagonista Elizabeth é que a escolha da adaptação cinematográfica recaiu sobre Kim Basinger, embora belas com cotação muito em alta na época como Kathleen Turner e Isabella Rosselini tenham sido cogitadas e mesmo chegaram a fazer testes para o papel.
Kim, que completou 70 anos no último mês de dezembro, é nascida em Athens, Geórgia, e também rumou para Nova York nos anos 70 por conta de um contrato com a Ford Models. Não aguentou a pressão.
Mudou-se para Los Angeles para iniciar uma bem sucedida carreira de atriz, foi a Bond girl do último 007 com Sean Connery (007 – Nunca Mais Outra Vez, 1983), e trabalhou para diretores importantes como Robert Altman (Louco de Amor, 1985) e Blake Edwards (Encontro às Escuras, 1987). Já era uma estrela internacional quando personificou Vicki Vale (Batman, 1989) e chegou ao ápice com o Oscar® de Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel da prostituta de luxo Lynn Bracken (Los Angeles – Cidade Proibida, 1998).
Contexto no Brasil
Embora 9 ½ Semanas tenha flopado nas bilheterias dos EUA, em outros países teve sorte diferente. Chamou muito a atenção na França, por exemplo, já que ficou 5 anos em cartaz em Paris. No Brasil dos planos Cruzado I e II, virou um verdadeiro fenômeno cultural, quebrando o então recorde de exibição ao ficar 2 anos e meio em cartaz (de agosto de 1986 a fevereiro de 1989).
Nos anos 80, os ares já estavam mais leves no Brasil, mas ainda se vivia sob a sombra da censura que havia sido muito rígida durante a ditadura militar. Filmes com conteúdo sexual explícito eram raros, e 9 ½ Semanas oferecia algo que muitos brasileiros não tinham visto antes, aumentando a curiosidade de assistir ao filme. A química entre Kim Basinger e Mickey Rourke funcionou bem na tela e contribuiu para o apelo do filme. O dilema moral e afetivo dos personagens principais foi outro atrativo.
O filme abordava temas de sexualidade e desejo de uma maneira que não era comum então, e especialmente aqui no País. A exploração de fantasias sexuais e a dinâmica de poder entre John e Elizabeth capturaram a curiosidade do público. A campanha de divulgação do filme foi bem eficaz, criando burburinho. A publicidade focou na natureza provocativa do filme, o que atraiu casais curiosos e interessados em temas mais ousados.
Não era difícil ver a produção citada em discussões sobre sexualidade e relacionamentos. Esse fato e o fenômeno boca-a-boca ajudaram a manter o interesse do público por um período mais prolongado que o usual. O sucesso abriu caminho para outros filmes eróticos e com temas adultos no Brasil, mostrando que existia mercado para esse tipo de conteúdo.
Impacto e legado
O fenômeno de 9 ½ Semanas de Amor no Brasil é um bom exemplo de como um filme pode, ao cutucar o vespeiro certo, transcender sua origem e se tornar um fenômeno cultural em outro contexto social.
A combinação de conteúdo polêmico, marketing eficaz e um momento cultural específico contribuiu para seu sucesso prolongado nos cinemas brasileiros. A exploração de temas como poder, controle e submissão, aliados aos desempenhos intensos de Basinger e Rourke e ao impacto visual da linguagem de videoclipe utilizada por Adrian Lyne, viriam a transformar 9 ½ Semanas de num filme cult.
Cheia de tesão, a trilha sonora não consagrou apenas You Can Leave Your Hat On, mas também outra música que hoje é um clássico dos anos 80: Slave to Love, de Bryan Ferry. Junto com ambas, o tema do filme, I Do What I Do, de John Taylor, baixista do Duran Duran, e outras canções como The Best Is Yet to Come, de Luba, e Eurasian Eyes, de Corey Hart, desempenham um papel crucial na criação da atmosfera sensual do filme.
Não é exagero dizer que o impacto de 9 ½ Semanas no Brasil foi significativo a ponto dele se tornar uma referência para discussões sobre sexualidade e cinema. O filme abriu portas para uma maior aceitação de temas eróticos na mídia e ajudou a moldar a percepção do público sobre o gênero. Apesar de muita água já ter rolado debaixo da ponte e hoje, com o advento da Internet, alguns cinéfilos poderem até considerá-lo adequado para a Sessão da Tarde, a longevidade do filme nos cinemas brasileiros, e seu retorno às telas 38 anos após sua estreia (em 6 de junho), ainda é um testemunho de sua capacidade de mexer com o imaginário de um público que busca algo mais que o trivial bem feito.
