Quando li Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’Roll salvou Hollywood, escrito pelo jornalista americano Peter Biskind, o autor fala como o já consagrado diretor William Friedkin (Operação França), decidiu fazer sua versão do clássico francês O Salário do Medo.
O Salário do Medo foi lançado em 1953, estrelado por Yves Montand e dirigido por Henri-Georges Clouzot, que dois anos depois faria um dos melhores suspenses do cinema, As Diabólicas. Mas a bola da vez é O Salário do Medo, que mostra quatro homens que são contratados para transportar nitroglicerina para apagar um incêndio num campo de petróleo no interior de algum país da América Latina.
A forma de contar a história é que tornou esse suspense de ação um clássico. O filme começa lento, apresentando seus personagens e porque estão naquele lugar perto de onde Judas perdeu as botas. Fala-se espanhol, inglês e um pouco de português entre eles, mas sem se entender mesmo em questões simples.
Na realidade, O Salário do Medo de Clouzot é um drama sobre decisões ruins tomadas num passado distante e que poderão refletir no trabalho que acabam abraçando para sair do tédio. A dura realidade que se apresenta no trajeto com a carga mortal será o reflexo dessa decisão.
Já no filme de Friedkin, a história parte da origem de cada um dos personagens que serão os futuros motoristas da estrada do inferno. Cada um deles provocou algo em suas vidas de uma forma que não tem como voltar atrás. Sua redenção, se é que é possível pensar nisso dentro da história, poderá ser realizada com a missão de entrega sendo cumprida, desde que sobrevivam.
São duas versões interessantes, com suas diferenças de motivações bem variadas e que tem o seu lugar dentro da história do cinema. Especialmente na de Friedkin, que filmou em quatro países diferentes e com a responsabilidade de seguir na mesma linha de sucessos como Operação França (1971) e O Exorcista (1973). Mas O Comboio do Medo, mesmo sendo um grande filme, não foi bem de bilheteria.
O que nos leva ao século 21, quando o jovem cineasta francês Julien Leclercq assumiu a responsabilidade de fazer uma nova versão do original de 1953, adaptação do livro de Georges Arnaud, lançado em 1950. Filmada no Marrocos, a nova versão coloca os personagens no Oriente Médio com a mesma missão de levar o explosivo líquido até um posso de gás que pegou fogo e ameaça devastar toda a região, incluindo uma cidade de refugiados.
Ao contrário das duas versões, o filme é definido como um drama de ação, onde a origem dos personagens principais e suas motivações são importantes, mas não tomam o tempo de tela para a verdadeira crise. Julien respeita a obra original, optando por centrar a história no trajeto e na relação entre os dois motoristas, os irmãos Fred (Franck Gastambide, de Resgate em Medelin) e Alex (Alban Lenoir, de Agente Infiltrado). No passado, os dois se envolveram num crime, mas só Alex foi preso.
Quando o poço de gás explode, a companhia de petróleo contrata Fred, um ex-militar especializado em segurança, para pegar a nitroglicerina para evitar uma catástrofe. Ao mesmo tempo, ele pede para que libertem seu irmão Alex, cuja especialidade é lidar com explosivos.
Nem preciso dizer que a relação entre os dois está abalada, mesmo sabendo que podem morrer a qualquer minuto caso algo aconteça com sua preciosa e perigosa carga. Todo o trajeto, assim como acontece no filme original, é tensão pura. Todos os obstáculos são, inicialmente, intransponíveis. E para piorar, mesmo disfarçados de agentes da Organização Mundial da Saúde, o comboio é atacado por rebeldes árabes, um componente atual incorporado na nova versão.
O respeito de Julien pela obra Clousot passa por reproduzir uma icônica cena, quando um dos caminhões para na frente do que parece ser um lago de petróleo. Na realidade, é um lago formado por um vazamento no oleoduto, um obstáculo aparentemente intransponível. Julien, por sua vez, acrescenta algo mais complicado nessa travessia, que vai refletir diretamente com o final da jornada.
O que chama a atenção dessa produção não é apenas a fantástica fotografia, que transforma o interior do Marrocos num outro personagem. Mas o tratamento de filme de ação que o diretor dá ao longo de seus 104 minutos. Consegue contar uma história em menos de duas horas, algo que Clouzot não conseguiu no original, que tem 131 minutos de duração. São outros tempos, é claro. É um filme de ação, provavelmente inspirado no cinema americano, mas é muito bom de ver e de torcer para esse grupo de alucinados motoristas e sua missão de sonhos milionários.
