Crítica | Filme | O Sequestro do Papa

Crítica | Filme | O Sequestro do Papa

Uma série de oposições toma forma no longa que deveria ter permanecido com o título original traduzido – O Rapto. Afinal, o papa não foi sequestrado, e sim a autoridade que executou um rapto. Mas, vamos comemorar que não caímos na armadilha do título super explicativo como aconteceu nos Estados Unidos, onde a produção italiana ganhou o nome de Kidnapped: The Abduction of Edgardo Mortara (Raptado: o sequestro de Edgardo Mortara), e seguir em frente.  

Baseado no livro de Daniele Scalise (Il caso Mortara), o filme dirigido por Marco Bellocchio narra a história de Edgardo, um menino de seis anos que se tornou centro de uma tragédia familiar e um caso jurídico, político e religioso de proporções mundiais no século 19.

Tudo começou com um gesto de Anna Morisi, jovem analfabeta e católica que trabalhava na casa da família Mortara quando Edgardo, ainda bebê, ficou doente. Certa do dogma católico de que os não batizados iriam para o limbo e vivendo numa época em que quase metade das crianças não chegava aos cinco anos de idade, Anna batizou Edgardo num ato que não poderia ter ocorrido. Desde 1814 a lei proibia que os judeus de Bolonha tivessem empregados católicos. Mas Anna, como outras moças, precisava de dinheiro e os Mortara, como outras famílias judias, contratavam católicas pois elas podiam trabalhar no shabat. Como precaução, os judeus exigiam que as empregadas fizessem um documento ao deixarem o emprego declarando que não haviam batizado qualquer pessoa na casa. As autoridades de Bolonha faziam vista grossa para as contratações ilegais. Os Mortara não se preocuparam em exigir de Anna a tal declaração.  

Anos depois, em 1858, o batismo emergencial chegou aos ouvidos do padre Feletti, inquisidor de Bolonha. Apesar das memórias violentas suscitadas pelo cargo, a inquisição já não tinha tanto poder na época. Bolonha ainda fazia parte dos estados pontifícios, fazendo de Pio IX não apenas líder religioso, mas rei. O processo de unificação da Itália, entretanto, já estava em andamento, o que incluía a diminuição do poder da igreja. Em meio ao caos, era determinado que uma criança católica não poderia ser criada por uma família judia. Mesmo discordando das ordens, policiais foram à casa dos Mortara e levaram Edgardo.

A batalha que se segue opõe a família ao papado, a igreja católica ao judaísmo – embora aqui a oposição não impeça que os Rothschild emprestem dinheiro ao papa ou que o líder católico busque dinheiro com os banqueiros judeus, nada diferente de países que se ofendem pela manhã e comercializam petróleo à tarde – religião e poder secular. Napoleão III, o conde Cavour, primeiro-ministro da Itália unificada, o representante da comunidade judaica britânica, imprensa de vários países, todos se envolvem no caso que em vários momentos, por razões sociais e religiosas, vemos a mãe de Edgardo, Marianna Padovani, obrigada a ficar do lado de fora enquanto o marido luta para recuperar o filho. Para contá-la, Bellocchio escolhe cores sóbrias e escuridão, focaliza constantemente imagens de Jesus crucificado, faz paralelos com Edgardo ocultado primeiro pela saia da mãe, depois pelo manto do papa. Charges de jornal criticando Pio IX – ironicamente, um papa liberal, que tirou os portões do gueto de Roma – ganham vida e Edgardo se vê libertando Jesus da cruz dando um toque surreal à narrativa. São forças constantes em que a discussão central, a identidade de Edgardo, se judeu pelo nascimento ou católico pelo batismo, arrasta questões políticas que acabam por atrapalhar o esforço dos Mortara por reaver seu filho. Uma briga que envolveu altas esferas, mas terminou com uma vítima, Edgardo, que mesmo adulto jamais voltou ao convívio familiar. Uma tragédia que Anna Morisi certamente jamais pensou que causaria ao orar por um bebê doente. O Sequestro do Papa estreia em 18/7 distribuído pela Pandora Filmes.

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