Por algum motivo longe da criatividade, produtores e roteiristas de Hollywood decidiram que, no lugar de dar continuidade a franquias com novas histórias, contar a origem da franquia é mais interessante, bastando fazer pequenas ligações com a saga original.
A impressão que se tem em relação a isso é que os criadores originais achavam que deveriam dar uma explicação porque criaram essas ideias para filmes e séries.
Tudo bem que George Lucas, entusiasmado com a tecnologia que poderia atualizar os efeitos da sua já consagrada e bilionária ópera espacial, Star Wars (também conhecida pelos brasileiros como Guerra nas Estrelas), resolveu fazer uma edição especial dos filmes nos anos 90.
Mesmo com efeitos novos, ele cometeu o equívoco do politicamente correto e fez o mercenário Greedo “atirar” primeiro em Han Solo na clássica cena do bar em Tatooine. Ficou feio e tirou parte da personalidade do personagem, que vai se transformando em herói depois da cena onde ele atira primeiro em Greedo para evitar, sem mais suspense, ser morto pelo mercenário.
Até mesmo a recolocação social de Anakin Skywalker, o futuro Darth Vader, que o transforma de um dos melhores vilões do cinema numa pessoa traumatizada na infância por ele e sua mãe serem escravos. Ou seja, o que antes era um personagem odiado pelas vilanias que fez nos três primeiros filmes (Episódios 4, 5 e 6), se transformou num homem traumatizado pelas más influências de sua juventude. Triste.
Esse movimento de deixar os vilões mais “humanizados” vem acontecendo há algum tempo, deixando até personagens clássicos como Malévola, do desenho animado da Disney, A Bela Adormecida (1959), que é má porque a violaram na juventude, em boazinha, como se pode ver no filme com Angelina Jolie, Malévola (2014).
O que falar então de O Acólito, série original da Disney para sua plataforma streaming? Se eu fosse me basear pelo tsunami de críticas mais negativas do que positivas, o comentário não passaria de uma frase. Acredito, porém, que é preciso mostrar porque uma ideia que poderia ser interessante, virou o mais recente problema milionário da Disney.
Não vou entrar nas questões identitárias que vem permeando várias das produções do Estúdio Disney, porque é uma discussão infindável que só a deprecia. Vamos falar sobre o que move uma história como essa: o roteiro.
A série, segundo as primeiras informações iniciais divulgadas pelo canal, mostraria como os jedis descobririam que existe um lado maligno dessa energia vital que une o universo. E para isso, a história mostraria como os discípulos dessa filosofia pacifista se voltariam contra ela.
Boa ideia, ainda que dentro dessa “criativa” iniciativa de contar a origem de algo ou alguém. O grande problema dessa iniciativa é que você pode colocar informação demais e que venha a deturpar a ordem natural das coisas, ou seja, a série ou o filme, consagrados por sua história já contada.
Quis o destino que Leslie Headland assumisse essa responsabilidade, não apenas escrevendo, mas sendo a diretora geral da série (showrunner). O cargo significa que ela dá a aprovação final em tudo: elenco, finalização dos roteiros e olhar por cima dos ombros dos diretores dos episódios.
A história começa com a morte da mestra Indara (Carrie-Ann Moss), após uma exaustiva luta contra uma jovem chamada Mae (Amandla Stenberg), que parece dominar as artes mentais dos jedis. Ao investigar a morte da companheira, mestre Sol (Lee Jungjae) descobre Osha, que é irmã gêmea de Mae e está sendo presa pelo crime. Essa confusão de identidade termina já no segundo episódio, quando um grupo de jedis enfrenta Mae.
A partir daí o espectador vai conhecer o passado das duas irmãs, onde elas foram criadas, a estranha ordem de bruxas espaciais que cuidam delas, uma figura sinistra que parece manipular toda a situação, e o segredo que mestre Sol parece esconder do passado de Mae e Osha.
A partir dessa estrutura, os diálogos cabulosos entre os personagens demonstram claramente que Leslie não tinha a intensão de fazer um clássico entretenimento com uma das franquias mais badaladas do século XX. Além de colocar em dúvida a moralidade dos personagens, o conceito que Lucas criou sobre a ordem dos cavaleiros jedis e sua importância no universo, vai para o esgoto quando o espectador descobre que não é bem assim, segundo a criadora da série.
Acólito, para quem ainda não foi procurar no Google, é um religioso, seguidor de regras e dogmas e, em alguns casos, um seguidor fanático. A série joga numa caverna de Wampa a possibilidade de construir uma história mostrando como houve essa divisão entre o bem e o mal com os jedis. Transforma o conceito em briga de família, num tom tão pequeno que parece que estamos vendo a série Um Amor de Família. E não é pela inteligência dos diálogos.
Num determinado momento, onde mestre Sol tem que decidir quem salvar de uma morte trágica, sua escolha parece ter sido feita num biscoito da sorte. Uma decisão que vai assombrá-lo ao longo de 16 anos, até reencontrar Osha e Mae. Para piorar (sim, fica pior), fica claro desde o primeiro episódio que as duas irmãs, separadas por um evento mal contado, terão a chance de ficar juntas, mas o destino é escrito da pior forma possível.
Poderia aqui contar mais detalhes, revelando a trama sem o menor pudor. Desde o primeiro episódio, tinha certeza do que iria acontecer no final em relação às duas irmãs separadas pelo ódio. Vi, passo a passo, a conclusão de que a vergência, um evento mítico que é a base da Força, seria transformada na desculpa ideal para que a comunidade de bruxas espaciais criasse as duas irmãs sem a presença de qualquer pai.
Já vi esse filme antes. É aquele que quer convencer o público de que a mulher, esse ser criado na costela de Adão, tem que ficar mais empoderada no cinema e na televisão. Um argumento que constrói uma história sem dar a mínima para a própria história da mulher no cinema que, como sempre afirmo, sempre foi empoderada.
O Acólito é um amálgama de filosofias mal estruturadas, para dizer que tudo o que vimos até agora da criação de George Lucas não é o que parece. O lado Sombrio da Força, o principal antagonista da história dos jedis, não passa de uma birra entre aluno e professor que acabou mal.
Quando se chega aos dois episódios finais, na esperança de um fechamento tradicional, lá vem a avalanche de situações sem sentido, personagens mal resolvidos, em uma história que deveria ser esquecida do universo de Star Wars.
Esperamos, fãs tradicionais como esse escriba aqui, que alguém volte a ter boas ideias para séries como O Mandaloriano e Asoka. Que a Força esteja com eles.
Com tantas histórias para adaptar do universo expandido, tanto dos livros como dos videogames, Leslie Headland optou por criar por conta própria uma origem polêmica e mal desenvolvida.
Poder-se-ia dizer que a culpa foi da greve dos roteiristas. Infelizmente, para quem acha isso, a realidade é que uma boa ideia bem desenvolvida rende boas produções. Não foi o caso de O Acólito.
