Crônica | Amigos para sempre ou amigos sempre?

Crônica | Amigos para sempre ou amigos sempre?

Quando comecei a utilizar a internet, já se vai vinte anos e como não poderia deixar de ser, acabei participando das redes de relacionamentos sociais na web. No princípio recebia as mensagens e as encaminhava em nome de um conhecido.

E, no quadro com cópia, digitava os nomes de todos os amigos que deveriam receber a mensagem. Depois, aprendi que poderíamos criar uma lista-pasta, nomearmos uma frase ou um nome para que os nomes selecionados fossem encaminhados em uma única vez.

Porém, passado todo esse tempo, ainda recebo mensagens com listas intermináveis de nomes e endereços dos e-mails, alegria dos hackers, e vendedores de endereços de malas diretas via web.

Mas vamos ao princípio ativo, mesmo não sendo genérico, do que me inspirou escrever esta crônica.

Ao criar uma lista de pessoas que deveriam receber as minhas mensagens, pesquisei algumas frases e resolvi utilizar “amigos para sempre”. Por que “amigos para sempre”?

Qual o significado desta frase? Porque não “amigos virtuais”? Ou talvez “amigos de uma só vez”?

A frase “amigos para sempre”, no meu entender, é comprometedora, abraçante, íntima, fala da cumplicidade, fidelidade, respeito e tantas outras.

Difícil tentar defini-la. Logo, passei a utilizá-la para expressar o respeito aos meus amigos.

Nestes vinte anos muita coisa mudou, tanto no mundo virtual – leia-se internet –, como o mundo real do nosso dia. Fui me afastando dos noticiários e programas da televisão, os três jornais lidos diariamente foram sendo deixados de lado, restando apenas um.

Os livros foram sendo relidos ou garimpados entre os autores do passado. Não consigo ler ou me interessar por caça-fantasmas, vampiros e duendes com espadas em caminhos de peregrinos.

Contudo, sempre que posso, assisto ao Jornal Nacional. Em minha opinião, entre os telejornais da televisão aberta no país, o melhor.

Os repórteres não gritam, não correm atrás de bandidos e os apresentadores não comandam os pilotos dos helicópteros.

Assistindo ao Jornal Nacional em junho passado, deparei-me com uma reportagem que acreditei ser surreal. O repórter tranquilo, sem exibicionismo, sem estardalhaço, apresentou a história do estudante mineiro, o jovem Arthur.

Arthur Gonçalves, de 17 anos, estudante do terceiro ano ensino médio da Escola Rodrigo Cunha em Governador Valadares, na Região do Vale do Rio Doce de Minas Gerais, vitimado por um tipo de câncer raro, foi surpreendido ao entrar na sala de aula, encontrando todos os alunos, professores e diretores com as cabeças raspadas.

Este foi o modo que seus amigos, professores e diretores escolheram para demonstrar solidariedade, afeto e amizade ao amigo enfermo. A nova aparência do Arthur, de cabeça raspada pela quimioterapia, agora tem companhia de dezenas de cabeças raspadas pela solidariedade.

Este gesto, esta demonstração de carinho, de acolhida, me fez acreditar que a máquina ainda não dominou e contaminou o homem.

Voltei a ter esperança na juventude do meu país. Acordei do torpor que tomou conta da minha vida na última década, em assistir à insensibilidade do ser humano contra si próprio e contra todos os seres vivos do planeta.

Passei a acreditar novamente no homem, que tem coragem de chorar nos desígnios de crueldades contra a natureza, animais e do próprio ser humano.

E com esta cena, registrada em meu consciente, retornei ao passado em busca dos meus fantasmas, à procura dos meus princípios e arriscar reencontrar a sensibilidade, a esperança, a fé no ser humano, perdida nos meus dias atuais.

Os amigos de Arthur escreveram, provavelmente, o significado verdadeiro da frase.

Amigos para sempre.

Ao criar a minha lista de amigos virtuais e batizá-la de “amigos para sempre”, ainda não havia perdido os meus cabelos, no entanto, acreditava que a amizade é um somatório.

De solidariedade, complexidade, fidelidade e acima de tudo de amor e ajuda ao amigo. Sobretudo quando os tropeços na vida surgem.

Neste momento conhecemos o verdadeiro amigo, que ao nosso lado orienta-nos e escuta nossos lamentos, sem preconceitos ou comentários que venham nos ferir ou diminuir ainda mais, o nosso próprio respeito tão confuso.

Quanto devo mudar de “amigos para sempre” para “amigos sempre”, deixo para o Léo interpretá-la e defini-la.

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