Crítica | Série | Batman: Cruzado Encapuzado

Crítica | Série | Batman: Cruzado Encapuzado

O lado sombrio de Batman, personagem criado por Bill Finger e Bob Kane em 1939 para a revista Detective Comics 27, surgiu no final dos anos 60, quando Neal Adams e Dennis O’Neil começaram a fazer o personagem para a DC Comics. Conhecida como a Era de Prata dos Quadrinhos, as histórias do Cavaleiro das Trevas ganharam componentes da realidade das ruas, além de criar momentos beirando o sobrenatural.

Quando você assiste à nova série animada Batman: Cruzado Encapuzado (disponível no Amazon Prime Video), parece uma viagem no tempo. Não apenas lembrando da criação da dupla Finger e Kane, onde Bruce Wayne estava criando sua personalidade de combatente do crime em Gotham City, era perseguido pela polícia (que o considerava um criminoso de uniforme) e o seu principal alvo não eram os vilões especialmente convidados, mas o crime organizado.

É nesse campo que a nova série seguiu, e seguiu muito bem. Definitivamente, não é uma série para o público infanto-juvenil. É uma animação que não tem medo de mostrar a violência gráfica que vem sendo vista em diversos longas baseados nos quadrinhos da DC, como Batman: O Mais Longo Dia das Bruxas (2021, Max).

Batman: Cruzado Encapuzado faz uma homenagem à série animada que mudou o conceito de desenho de super-heróis nos anos 90, quando o embrião do que é hoje a Warner Animation criou Batman – A Série Animada, ou como foi exibida pelo SBT, O Novo Batman. Produzida por Alan Burnet, Bruce Timm e Eric Radomski, junto com Kevin Altieri, Boyd Kirkland, Dan Riba, Dick Sebast e Frank Paur, a série apresentava um novo conceito de animação para um público jovem e adulto.

Essa equipe seguiu os passos dos irmãos Dave e Max Fleischer, que produziram 16 curtas animados para o cinema nos anos 40, com o Super-Homem. Decidiram que a animação deveria ser feita não com o tradicional 16 quadros por segundo, muito usado pela Filmation, produtora dos primeiros desenhos da DC nos anos 60 e 70.

A decisão de fazer desenho animado como nos tempos áureos do cinema (24 quadros por segundo) foi o que transformou O Novo Batman num dos grandes momentos da história da animação.

Não foi aleatória a decisão de Bruce Timm, J.J. Abrams e o diretor Matt Reeves, responsável pelo novo filme do Morcego no cinema em 2022, de seguir o molde criado para a série dos anos 90. Batman: Cruzado Encapuzado é ambientado nos 40, mas mistura a tecnologia moderna com a daquela época. Existe um supercomputador na Batcaverna, mas sem celulares. Afinal, quando a série foi lançada o uso de celulares era muito restrito.

Veja, por exemplo, o piloto da série, Asas de Couro, o episódio em que Batman enfrenta o Morcego Humano, criado por Adams nos quadrinhos. Ao mesmo tempo em que a pista para o mistério está num gravador cassete, Batman usa óculos de visão noturna para investigar o local onde o Morcego Humano atacou um segurança. Detalhe: em toda a série não existem mortes. O segurança, por exemplo, é atirado pela janela, mas cai num reservatório de água.

Outro fato importante da série é que ela lembra também os clássicos seriados de ação dos anos 40, quando o personagem sai dos quadrinhos e ganha pela primeira vez a telona do cinema. Batman (O Morcego, no Brasil), lançado em 1943, mostrava que Batman era perseguido pela polícia como um criminoso comum, enquanto seguia pista para capturar o Dr. Daka, um agente japonês infiltrado em Gotham. A história se passa depois que os EUA entraram na Segunda Guerra Mundial.

Batman: Cruzado Encapuzado é intenso do primeiro ao seu décimo episódio. A série tem um arco principal que é o crime organizado liderado pelo mafioso Rupert Thorne. Ele controla boa parte do crime em Gotham, manipulando a política local com chantagens e morte. Não está sozinho nessa empreitada para construir seu império criminoso.

Ao longo da temporada, outros personagens da DC aparecem para dar o tom do episódio, como Selina Kyle, a Mulher-Gato, o promotor Harvey Dent, que será o vilão Duas-Caras, e a dra. Harleen Quinzel, a Arlequina. Alguns personagens foram redirecionados, como Barbara Gordon, agora uma advogada criminal, e a detetive Renee Montoya, que antes era policial de rua.

Você deve perguntar sobre o Coringa. Sim, ele tem uma ligeira aparição na série, mas sua participação mais intensa deve ficar para a segunda temporada. Aliás, o cenário da segunda temporada será a luta de Batman contra Thorne.

Personagens como Barbara Gordon, Renee e o próprio mordomo Alfred têm motivações diferentes de seus personagens dos quadrinhos e da série o Novo Batman. O que mais chama a atenção é a formalidade com que Batman trata Alfred, sempre pelo seu sobrenome, Pennyworth. Está claro que a intenção dos produtores é mostrar a personalidade de Batman se formando, enquanto luta com o trauma de seu passado: a sempre citada morte do casal Thomas e Martha Wayne.

É claro que, em tempos de empoderamento feminino, os produtores reservaram algumas “surpresas”. A primeira delas é o Pinguim, que na série é mulher. Oswalda Cobblepot surge no primeiro episódio como a líder da gangue rival a Thorne. Ela não mede esforços para conseguir o que quer, mesmo que tenha que matar e eliminar oponentes próximos a ela. É assustador ver que uma simples mudança de sexo traz o pior do personagem, que já foi considerado um oportunista.

Outra sutileza é a sexualidade de Renee Montoya. A personagem surgiu na série animada O Novo Batman, sendo integrada nas histórias da DC posteriormente. Foi nesse momento que decidiram que ela deveria ser lésbica. Esse detalhe é muito sutil dentro da nova série. Ela tem uma relação de amizade com a Dra. Quinzel, sem saber que ela é, na realidade, a criminosa chamada Arlequina. É sutil a questão, mas quem sabe na nova temporada as coisas mudem.

Como já disse no começo, definitivamente, essa não é uma série para o público infanto-juvenil. Batman: Cruzado Encapuzado é intenso em seus dez episódios, com dozes de violência gráfica e psicológica. Não poupa nem alusões à pedofilia nem à corrupção política, como uma chaga que Batman quer extirpar.

Toda essa forte tensão emocional deve ter sido um dos motivos que levou o CEO da Waner Bros. Discovery, David Zaslav, a cancelar a produção dessa série para o Max. Algo que surpreendeu, já que o projeto estava acompanhado de nomes importantes, como o diretor e produtor J.J. Abrams, que fez as novas versões de Guerra nas Estrelas e Jornada nas Estrelas; o diretor Matt Reeves, do filme O Batman; e Bruce Timm, o produtor que entende de animação de super-heróis.

Outro motivo é que David já havia afirmado que a Warner Bros. tem que fazer produtos culturais visando ganhar dinheiro e não uma agenda política identitária. E ninguém discorda disso dentro da empresa.

Independente das questões de lacração, Batman: Cruzado Encapuzado é uma produção boa, criativa, com histórias conectadas com o personagem, que estava merecendo uma nova série animada onde o tom sombrio das ruas de Gotham fosse o cenário perfeito para o Cavaleiro das Trevas enfrentar seus piores demônios.

E, para finalizar, a dublagem do Batman volta a ser feita por Márcio Seixas, que fez a voz do personagem na série O Novo Batman, feita na Herbert Richers…

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