A perfeita calma da noite pulsava em solene silêncio. Somente acordada pelos cantos dos grilos. A escuridão envolvia uma presença, que era sentida…

Tanto mais intensa se fazia, quando nada podia ser visto. O momento único me remete à juventude, ao ler um poema de Eduard Monken.

“Repousa ainda o mundo, nas tensas neblinas, prados, bosques, montanhas, põem-se a despertar…”.

Logo verei o despertar do céu e a mantilha de rendas negras da velha viúva, escorrendo pelas mãos dos anjos que retornam descansar.

Meus olhos se voltam à linha do horizonte, espreguiçando o alegre azul do firmamento, tendo em sua comitiva o calor do sol, com seus raios a derramar ouro líquido sobre o surdo outono.

Meu sentido retira minhas sandálias e lentamente me aproximo com meus pés descalços tocando a grama úmida e a morna areia que entoa um mantra…

Minha voz desfalece, meu peito se nega a respirar ao me deparar, frente a frente, com a majestosa, imperturbável figura de Buda esculpida na montanha.

Fico, permaneço, como que esmagado por uma enorme onda de alívio, emoção e gratidão.

Quando iluminado por raios faiscantes do amanhecer, a figura surge. A fluidez das linhas. A configuração do corpo monumental no rochedo, a paisagem que o abraça através dos galhos

inclinados das árvores.

Meu corpo estremece como que atingido por descarga que flui do interior de minha alma; não me lembro de, uma única vez em toda minha vida, ter sentido algo semelhante.

Sentimento de tão grande beleza e valor espiritual.

Depois, sinto-me voar com asas aladas surgentes que adquiri… Acompanhando o meu ser, em intensos estímulos sublimes, em direção ao Dharma intangível.

Erguer-me-ei do chão pontilhado de pedras. Guio-me à luz que nenhum ser vivente jamais viu! Morrei, para eternamente viver!

Não estou mais só, pois comigo está a luz que ilumina minha alma. O Sol, minha essência com centelhas mil.

Buda, Maomé, Krishna ou somente Jesus.

(Birmânia – Final de outono)