Cultivar é para os fortes. Plantas não conhecem sábado, domingo, feriado ou dia santo. O cuidado tem de ser constante. Reza-se para chover e não chover, pela luz e para que o sol não torre as folhas ou frutos, pelo frio e pelo calor. No caso dos vinhedos, a luta segue após a colheita da uva sob a tirania da safra. O resultado após o esmagamento dos frutos será uma bebida excepcional ou um retumbante vinagre?
A Viúva Clicquot – A Mulher que Formou um Império (Widow Clicquot) caminha pelo campo da produção de vinho num nicho das cinebiografias, aquelas que rehumanizam nomes que hoje são apenas rótulos ou etiquetas. Gucci, Ferrari e Lamborghini já ganharam seus retratos mais ou menos fiéis nas telas. Agora é a vez de Barbe-Nicole Ponsardin Clicquot, a Veuve Clicquot das garrafas de champanhe – a verdadeira, aquela que só pode ser produzida na região de Champanhe, na França, não seu substituto, o espumante – mulher que fez algo impensável em seu tempo, gerir um vinhedo. O que incluiu não apenas colocar seu produto nas mãos dos influenciadores da época, a nobreza russa, como também criar novos processos na produção de champanhe que mudaram a forma como o vinho com bolhinhas que virou sinônimo de classe, sofisticação e é solenemente desperdiçado nas mãos de pilotos de Fórmula 1 (será que aquelas garrafas têm champanhe mesmo? Eu colocaria água com gás). É, enfim, uma história perfeita para um filme.
Filha de um industrial do ramo de tecidos, o futuro barão Ponsardin, Nicole casou-se com François Clicquot aos 21 anos. O filme retrata um casal apaixonado, mas também em desequilíbrio. François, que oficialmente morreu de febre tifoide, é na interpretação de Tom Sturridge um jovem charmoso que a cada flashback mergulha mais fundo na irracionalidade. Sua morte após seis anos de casamento deixa Barbe-Nicole à mercê do sogro e dos urubus – entre eles, o senhor Moët, da outra marca de champanhe – que sempre aparecem nessas horas e esperam que a jovem viúva negocie suas terras e vá viver como uma mulher deveria viver. Imbuída do desejo de seguir a missão do marido, no entanto, Barbe-Nicole assume a direção dos negócios, coloca a mão na terra, faz o que precisa fazer para tirar o vinhedo Clicquot da falência e no caminho cria o mercado de champanhe como hoje o conhecemos. É, enfim, uma narrativa não apenas de uma mulher além de seu tempo, mas de uma pessoa com uma visão empresarial fora da caixa. Com o adendo de não deixar de lado o quanto de trabalho existe na criação, o quanto de experimentação foi necessário para criar o champanhe rosé e a bebida cristalina que hoje está nas prateleiras, dois processos que devemos à viúva.
Infelizmente rodado em inglês, e não no francês esperado para uma figura tão importante na imagem que fazemos da França, A Viúva Clicquot consegue transmitir a paixão e solidez com que a jovem tomou as rédeas de sua vida a despeito dos entraves sociais e jurídicos – uma cena a leva aos tribunais, onde ela precisa defender-se da grave acusação de gerir seus negócios, os urubus de volta à cena. A fotografia de Caroline Champentier (Homens e Deuses, 2010) completa o enredo com belas cenas dos vinhedos cheios de luz e Haley Bennett é eficiente em retratar Barbe-Nicole em sua obsessão de fazer algo diferente e que tantos diziam ser errado.
Um filme correto para uma personagem que para a mentalidade de seu tempo fez tudo errado. Estreia em 22/8 distribuído pela Paris Filmes.
