Imigrar é um processo doloroso. Inclui o abandono do conhecido pelo mergulho na insegurança de uma cultura nova, no mais das vezes despreparada a receber ondas de pessoas necessitadas e cujas próprias necessidades e mágoas criam barreiras a quem chega.
Nos anos 1980, esse foi o caminho de milhares de brasileiros que decidiram buscar trabalho no Japão. Para muitos, foi um processo bem-sucedido, que permitiu, a custa de muita economia, enviar dinheiro à família no Brasil. Outros tantos foram pegos pela crise econômica e tiveram seus sonhos destruídos.
Essa é a história de Marcos (Lucas Sagae), brasileiro que imigrou para o Japão com a família quando tinha cinco anos e agora vive num conjunto habitacional. A derrocada econômica o jogou na pobreza dos trabalhos braçais mal pagos e deu origem ao ódio aos japoneses, sentimento espelhado pelo chefe de uma gangue que odeia os brasileiros desde que um ônibus repleto deles, e dirigido por um homem embriagado, atropelou e matou sua filha. A situação é complicada por um amigo de Marcos, que rouba dinheiro da gangue japonesa. No acerto de contas, o rapaz vai parar na casa de Seiji (Koji Yakusho), um velho ceramista, ele também vítima da economia que nos últimos anos fechou os pequenos negócios em sua vizinhança e faz de seu trabalho mais um passatempo do que um ganha pão. Seu maior orgulho é o filho, Manabu, engenheiro que trabalha em projetos espalhados pelo mundo, um deles na Argélia, onde conheceu sua esposa, Nádia.
O objetivo do enredo é mostrar como pessoas sem laços sanguíneos podem formar efetivamente uma família, com Seiji assumindo o posto de pai para Marcos e sua namorada, Érika (Fadile Waked). Mas, no final, sobram pontas soltas. Os brasileiros aparecem numa imagem generalizada como um dando barulhento reunido num churrasco. Mesmo após anos de Japão, recebem Seiji aos abraços, desrespeitando o fato de que esse não é o hábito das pessoas do país. É difícil também encarar que alguém, ainda mais um rapaz que cresceu no Japão, cometa a burrice de roubar uma gangue, parte de um cenário de crime organizado famoso em todo o mundo por sua violência e incapacidade de perdoar o menor dos deslizes. A inclusão de uma esposa argelina que perdeu a família também é uma forma desajeitada de incluir a crise dos refugiados africanos numa história que já tinha em seu núcleo o deslocamento, a perda de raízes e o preconceito. Se bem direcionado, o roteiro poderia ter ficado no drama dos dekasseguis que não viveram o sonho japonês, suspensos entre a falta de cidadania e o medo da deportação e Seiji, ele também vítima dos movimentos históricos e econômicos que acabam por lhe tomar o que tem de mais precioso. Mas não é o que acontece.
Centro da história, Koji Yakusho, ator de longa carreira mas que muitos só conheceram em Dias Perfeitos, faz o que pode com o pouco que tem. Suas cenas diante das autoridades japonesas são o melhor do filme ao mostrar o choque de uma pessoa simples contra a burocracia e os elementos do poder que nada sofrem com crises, sejam econômicas ou políticas. Em resumo, o filme poderia ser mais, principalmente se desse mais cor aos personagens, mostrando brasileiros que não são exatamente o que muitos estrangeiros pensam de nós. Mas ficou no poderia. Família estreia em 15/8, distribuído pela Sato Company.
