Crítica | Filmes | Crimes do Futuro

Crítica | Filmes | Crimes do Futuro

Confesso que saí da cabine de imprensa de Crimes do Futuro sem saber muito bem o que dizer sobre o filme. Acho que como David Cronenberg não dirigia nenhum longa desde Mapa Para as Estrelas (2014), perdi um pouco do seu histórico em minha memória.

Claro, não esqueço de Scanners – Sua Mente Pode Explodir (1981) e A Mosca (1986). Nem de perto tão perturbadores (ou perturbados?) quanto Mistérios e Paixões (1991). Mas ainda temos Crash, eXistenZ, Senhores do Crime e Cosmópolis. Só para arranhar sua filmografia.

O problema nem é lembrar das histórias. Mas sim, lembrar qual reação tive ao ver esses filmes pela primeira vez. O impacto de um Cronenberg inédito em uma sala escura não deveria ser esquecido. Vai ver eu bloqueei.

Porque, normalmente, o diretor é lembrado por algumas cenas fortes, impactantes. Podem ser nojentas, como em A Mosca. Insanas, como em Cosmópolis. Ou inusitadas, como em Senhores do Crime. Como na cena em que Viggo Mortensen luta por sua vida pelado em uma casa de banho russa.

Olhando assim, começo a ativar minhas memórias.

David Cronenberg é isso. É mexer com a plateia. É incomodar para fazer pensar. O cinema pode ter essa função, assim como toda forma de arte. Não esperemos grandes pensamentos vindos de um blockbuster, obviamente. Essa é outra função do cinema: entreter. E faturar alto.

Mas voltemos ao Cronenberg.

A história

Em Crimes do Futuro, o corpo de Saul Tenser (Viggo Mortensen) tem a capacidade de gerar novos órgãos. Nada funcional, praticamente um tumor. Que precisa ser extirpado. Sua parceira, Caprice (Léa Seydoux, de 007 – Sem Tempo Para Morrer), tatua esses órgãos e faz da extração uma performance artística.

Em função desse processo, Saul não tem o que se pode chamar de vida normal. Utiliza umas máquinas meio orgânicas para dormir e se alimentar. Até mesmo a extração dos seus órgãos é feita em uma dessas engenhocas.

Paralelamente a isso, conhecemos Lang Dotrice, (Scott Speedman, de Anjos da Noite), líder de um movimento que vem alterando a biologia dos seus membros para que sejam capazes de assimilar plástico como alimento. O filho de Lang é objeto de disputa entre ele e os artistas. Ao que tudo indica, a criança já nasceu com essa capacidade de viver à base de plástico. O que poderia abalar o status quo.

Outro exercício aqui, resumir Crimes do Futuro sem spoilers e ainda mantendo o interesse do leitor.

O filme pode ser desagradável para algumas pessoas. Porque, sempre que pode, Cronenberg exibe ricos detalhes da história que nos conta. Se é o caso da extração de órgãos, big close nas entranhas. E que tal instalar um zíper abdominal para facilitar a vida do cirurgião? Isso eu já tinha visto nos Três Patetas como humor…

Em uma realidade distópica como essa, a cirurgia é o novo sexo. Portanto, imaginem como fica a transa entre Saul e Caprice…

Essas distrações talvez escondam as reais intenções do diretor. Em Crimes do Futuro, Cronenberg critica a cultura da cirurgia para tudo, ainda mais se for uma intervenção estética. Critica o sistema, que burocratiza e flexibiliza ao mesmo tempo. Morde e assopra.

Critica a degradação do planeta, repleto de derivados de petróleo na forma plástica. Descartados em pilhas e pilhas de lixo. É tanto plástico que a solução é comê-lo e digeri-lo. Quem sabe no próximo salto evolutivo da humanidade.

Diria que Crimes do Futuro não é cinema corriqueiro. Oferece várias camadas de leitura, várias interpretações. Merece ser visto mais de uma vez, com certeza. E bastante discutido.

A propósito, David Cronenberg já tinha roteirizado e dirigido um Crimes do Futuro em 1970. Não assisti a esse filme, mas vi que as histórias são bem parecidas. O Crimes do Futuro de 2022 entrou no circuito nacional de cinema em 14/7/22, com distribuição da O2 Play, distribuidora do grupo O2 Filmes. E chegpu com exclusividade ao streaming na MUBI em 29 de julho do mesmo ano.

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