O cinema e a arte, de modo geral, muitas vezes serve para que seus autores compartilhem com o mundo algum conteúdo pessoal, tipo, digno de terapia. Uma coisa não substituí a outra, claro. Ao contrário, elas podem se complementar e desatar nós em suas almas. E quem sabe também nas almas daqueles que a contemplem.
O que pode ser um problema é que às vezes esses conteúdos não estabelecem essa comunicação e a obra se torna demasiadamente hermética. E tudo bem, também. Ninguém precisa se martirizar por não “enxergar” a visão do autor. Acho que O Voo do Anjo, filme que a California entrega ao circuito exibidor em 24/10, é um desses casos.
O filme aborda o tema luto e depressão em contraposição à beleza da vida. O professor aposentado Vitor Almeida (Othon Baston) se prepara para passar o aniversário de 88 anos sozinho, depois que seu filho (Gustavo Duque) lhe deu o bolo. Ele recebe o entregador de comida Arthur (por Emílio Orciollo Netto), um professor de sociologia que abandonou a carreira após a morte da filha.
Separado da mulher e deprimido, Arthur tenta se jogar da janela no apartamento de Vitor, mas é convencido a descer do parapeito. Nasce aí um vínculo de amizade entre os dois, forte o bastante para ocupar o final de vida de Vitor e tirar Arthur do estado de depressão.
O tema salvaria O Voo do Anjo se a história escrita e dirigida por Alberto Araújo não fosse talvez ingênua demais. Sim, é uma valiosa lição de vida muito próxima da realidade de muita gente. Justamente por isso, fica a pergunta: quem gostaria de ver em tela algo que pode lhe ser doloroso, com tons eventualmente curativos? Tenho minhas dúvidas, mas o risco fica com o espectador.
Para complementar, a trilha sonora de O Voo do Anjo me pareceu meio desencontrada, em muitas vezes não casando com a cena. E a atuação de Dani Marques, que interpreta a esposa do personagem Arthur, contrasta demais com o já reconhecido talento de Othon Bastos. Aliás, segundo a California Filmes, foi ele quem indicou o amigo de longa data, Emílio Orciollo Netto, para o papel de Arthur. Eles já trabalharam juntos no teatro, na TV e até no cinema e construíram uma linda parceria profissional ao longo das últimas décadas.
