O choque entre gerações é natural e esperado. A vivência em diferentes contextos gera pessoas com ideias e sistemas de valores que podem não ser apenas diferentes, mas opostos. Esse é o caso das três mulheres do longa escrito e dirigido por Pedro Freire a partir das memórias de sua mãe, a atriz Malu Rocha, falecida em 2013.
O centro da história é Malu (Yara de Novaes), uma atriz que viveu a efervescência dos anos 1960, uma das décadas mais revolucionárias dos tempos modernos. Uma era de novas experiências em relacionamentos, liberdade sexual trazida pelos anticoncepcionais e ânsia por mudanças. Protagonista dessa época, Malu tem a primeira onda de choque com a mãe, Dona Lili (Juliana Carneiro da Cunha). Fruto de outros tempos, Dona Lili está longe de compreender a forma como a filha pensa e age. Sua confusão com essa mulher que não se enquadra no que ela aprendeu e viveu é palpável e um retrato de como os pais nascidos nos anos 1930 devem ter sentido ao verem seus filhos se metamorfosearem em criaturas questionadoras da ordem e dos bons costumes.
O choque maior, entretanto, acontece entre Malu e a filha, Joana (Carol Duarte). Também atriz, Joana é fruto de tempos recentes. A visão da mãe do teatro como revolução à custa de tudo deixou marcas em sua infância. Essa experiência e os novos tempos a fazem combinar o amor pela arte com a consciência de que viver inclui aspectos práticos. No tradicional vai e vem das ideias e das gerações, os pensamentos de Joana a tornam mais facilmente compreendida pela avó do que pela mãe.
Encontramos essas três mulheres diferentes e complementares num único cenário, uma casa dilapidada. Malu, que fez sucesso no passado, ainda sonha em transformar o lugar num centro cultural, com sala de cinema e teatro. Fica claro a quem observa que é um sonho que jamais vai deixar o imaginário de sua dona. Joana chega de uma temporada no exterior. À diferença de ideias, junta-se a amargura. A filha está vivendo o que Malu teve no passado. A explosão é inevitável, inclui palavras que jamais deveriam ser trocadas entre mãe e filha, acusações, mágoas, o desenterro de tudo que foi deixado de lado sem ter sido devidamente conversado. No comando do papel, Yara Novaes é perfeita como a mulher presa no passado, ansiosa por um presente que não vai acontecer, nem sempre amável, nem sempre capaz de atrair nosso carinho e concordância com suas ações.
O final, como tantas histórias de choques de gerações, traz Malu e Joana de volta uma para a outra. Não porque querem se aproximar, mas por ser necessário. É uma nova dor que vai se unir ao relacionamento complexo que só quem tem mãe vai entender. Malu estreia em 31/10, distribuído pela Filmes do Estação.
