Quando nos anos 1970, até filmes como O Exorcista e Laranja Mecânica sofriam nas mãos dos censores (este último curiosamente também estrelado por Malcolm McDowell), imaginem então o que aconteceria com um filme chamado Calígula, inspirado no imperador romano, mais famoso por sua extravagância e crueldade do que, digamos, bons atos.
Mesmo assim, Calígula até chegou a ser popular no começo do seu reinado. Contudo, foi se tornando infame por conta de abusos de poder, comportamento errático e práticas consideradas imorais. Até mesmo para o padrão romano.
Até aí, o cinema mundial já havia se dedicado a contar a história de outros romanos célebres, como Julio César e Marco Antonio, poupando o espectador de bacanais e banhos públicos. Até mesmo a fala aparentemente inocente de Crasso (Laurence Olivier), em Spartacus (1960), fez muita gente arregalar os olhos na época: “Você considera que comer ostras é moral e comer caracóis é imoral?”. Não, ele não estava em um restaurante…
Mas falar de extravagância e práticas imorais na Roma de 37 d.C. causou furor na mente de Bob Guccione, popularizado nos anos 1970 pela publicação da revista Penthouse, uma concorrente mais explícita da também americana Playboy. Até aqui não há muita novidade para quem viveu Calígula em 1979, porque (como é explicado no começo do Corte Final do filme) o produto final ficou bem longe do que o primeiro roteirista do filme, Gore Vidal, imaginou.
Porque, ao excercer o seu poder como produtor (e também roteirista não creditado), Guccione tendeu apenas para a extravagância e práticas morais de Calígula, deixando de lado qualquer outro traço de sua personalidade ou do seu reinado. Uma coisa chama a outra e, apesar de todos os problemas que a produção do filme teve, Calígula venceu pela polêmica e pelo fato de ser “proibido”, faturando uma boa grana mundialmente.
No Brasil, mesmo sendo exibido em 1982 e sem uma estreia estrondosa (tipo filme de super-heróis, ocupando a maioria das salas) também marcou sua passagem pelas telas. Na base do boca-a-boca, claro, alimentando a curiosidade do público sobre “um filme de mau gosto”, “com cenas de sexo terríveis” e muitos “Deus me livre”!
Isso foi praticamente uma mídia espontânea que atiçou a sociedade comportada da época, já devidamente acostumada com as pornochanchadas nacionais. A versão original de Calígula voltaria ao mesmo sucesso no final dos 80, começo dos 90, com sua versão em fita VHS e posterior exibição na TV aberta.
Por que lembrar tudo isso?
Porque Calígula: O Corte Final, filme que a A2 lança em circuito nacional em 5/12, passa longe do que se viu originalmente. Sim, temos nudez frontal, simulação de sexo, certa violência e a extravagância e as práticas imorais que rotularam o notório imperador. Contudo, em uma dosagem mais compatível com o esboço original do roteiro.
Não me pareceu tão chocante quanto antes, afinal de contas, vivemos hoje um mundo mais diverso e com uma gama de polêmicas incrível, que entram em nossos lares gratuitamente. O Corte Final faz mais jus à extravagância, abusos de poder e comportamento errático (basta lembrar de Incitatus), do que às práticas imorais de Calígula.
Ao final, poranto, temos um longa que estampa na tela todo o dinheiro que foi gasto em seus cenários e figurinos. Que rebaixou a nudez ao corriqueiro, afinal de contas, falamos de Roma. Por mais que seja estranho testemunhar a incrível Helen Mirren como veio ao mundo…
Aposto que muita gente também vai querer conferir o original, onde quer que esteja…
