Gladiador II: atuação de corpo e alma

Gladiador II: atuação de corpo e alma

O filme Gladiador II, de Ridley Scott, mobilizou a atenção de todos neste ano por se tratar de uma aguardada continuação do tão bem-sucedido original, estrelado por Russell Crowe em 2000. Pois apesar de passados 24 anos desde o desfecho na saga de Maximus Decimus Meridius, não é que o personagem de Crowe continua em foco na sequência?

Só que a agora através dos punhos cerrados de Hano/Lucius, interpretado pelo ator Paul Mescal, de Todos Nós Desconhecidos (All of Us Strangers, 2023) e Aftersun (2022).

CriCríticos conferiu a coletiva de imprensa estrangeira durante o período que antecedeu a estreia mundial de Gladiador II. A seguir, publicamos os highlights desse encontro com destaque para o protagonista de Gladiador II, o ator Paul Mescal .

Seus nervos não me servem

Passar para um filme da magnitude de Gladiador II depois de Todos Nós Desconhecidos e Aftersun foi uma experiência intensa e marcante para Paul Mescal. Ele contou que Ridley Scott, conhecido por sua eficiência, não perdeu tempo e parecia ter plena consciência de que queria começar com tudo, talvez para mostrar a Paul exatamente no que ele estava se metendo. Ele lembrou que no primeiro dia de filmagem a equipe gravou a sequência de abertura no Marrocos, uma cena de batalha grandiosa. O elenco principal ficou esperando em pequenas tendas, enquanto Paul, nervoso, andava de um lado para o outro com sua espada, fumando furiosamente, aguardando ser chamado para o set.

A tensão aumentou quando ouviram pelo rádio que Ridley Scott estava vindo cumprimentá-los. Todos ficaram na tenda até que ele entrou, fumando um charuto. Ridley olhou para o grupo e perguntou: “Estão nervosos?”. Sem saber como responder, Paul lembra que apenas emitiu um som, o que fez Ridley lhe dar um tapa nas costas e dizer: “Seus nervos não me servem para porra nenhuma!”. Em seguida, o diretor foi direto para ligar as câmeras.

A caminho do set, Paul viu pela primeira vez a escala monumental da produção. Ele percebeu o tamanho do desafio enquanto já estavam gravando e essa impressão inicial acabou registrada no filme. Essa abordagem, apesar de intimidante, foi, segundo ele, uma decisão inteligente de Ridley Scott: “Ele basicamente disse: ‘Não vamos esperar você se acostumar. É aqui que você vai viver pelos próximos tantos dias que estaremos filmando'”. Paul expressou sua gratidão por essa estratégia, que o ajudou a mergulhar completamente na intensidade e na grandiosidade do projeto desde o início.

Apetite insaciável

O filme foi pensado para ser visto na tela grande, óbvio, algo que o próprio Ridley Scott confirmou ao dizer que esse foi o filme mais épico e desafiador de sua carreira. Para Paul Mescal, trabalhar com Ridley foi uma experiência marcante, especialmente por testemunhar seu apetite insaciável pelo trabalho: “Nunca conheci alguém com um apetite por trabalho tão grande quanto o Ridley. Ele não para”, comentou o ator.

O que mais o impressionou foi a forma como Ridley encara o cinema. Segundo Paul, o diretor não se preocupava com legado; para ele, fazer filmes é o maior privilégio e isso transparece em sua abordagem: “Ele não quer proteger nada. Na verdade, ele só quer acelerar”, explicou ele, destacando que essa atitude reflete a essência de Ridley: alguém que não se deixa paralisar pelo medo.

Paul também revelou sua admiração pelo diretor de clássicos como Thelma & Louise, que é, curiosamente, seu filme favorito na filmografia do diretor inglês: “Estou absolutamente impressionado com ele”, confessou o ator.

Protagonismo atrás das câmeras

Paul Mescal ainda refletiu sobre o papel de liderança em um filme e como isso está ligado à sua experiência pessoal. Ele contou que, embora o ator principal geralmente defina o tom de um filme, estar no set com Denzel Washington e Ridley Scott foi uma experiência única e enriquecedora. Para Paul, protagonizar um filme tem algo de familiar, já que cresceu praticando esportes e foi capitão do time de futebol na escola. No entanto, no set de Ridley Scott, essa responsabilidade é amplificada. Ele explica que liderar um set é algo prático, que vai além do talento: “É algo que você pode controlar. Liderar tem a ver com atitude”, afirmou.

Paul destacou também que, para assumir essa posição, é preciso tomar iniciativas simples, como ser a primeira pessoa a chegar de manhã e ocupar ativamente seu espaço. Ele lembrou o conselho de grandes atores, como Emily Watson, sobre a importância de estar diante da câmera, agilizando todo o processo de produção: “Ocupe o espaço que você quer ocupar”, recordou.

O efeito Denzel

Trabalhar ao lado de Denzel Washington foi inspirador e reconfortante para Paul. Ele descreveu o ator americano como alguém que aborda seu trabalho com simplicidade e pragmatismo, usando sua vasta experiência para dar forma aos personagens. Para Paul, essa postura reforçou o que ele mesmo aprendeu em sua escola de teatro: a experiência supera tudo. Ele observou que a genialidade de Denzel está no equilíbrio entre um talento extraordinário e décadas de dedicação ao ofício. “Quando eu o observava, pensava: ‘Isso é tão empolgante porque, com sorte, quando eu estiver na casa dos 60, tudo será mais fácil. Será mais confortável'”, ponderou.

Essa dinâmica foi particularmente interessante para Paul, já que seu personagem, Lucius, estava sob o controle de Denzel, ou pelo menos era o que parecia. Essa relação intensa, porém natural, eliminava a necessidade de manipulações óbvias entre os personagens: “Ele não precisava fazer rodeios com Lucius, porque já o tinha em uma cela. Não é exatamente onde ele gostaria que estivesse, mas é onde está”, explicou Paul.

Muitas vezes, Paul e Denzel ensaiavam pequenas cenas em particular, longe do olhar atento de Ridley Scott, porque isso os deixava mais à vontade. E como ambos tiveram experiências em teatro, valorizaram esse processo de ensaio. E, para ele, ensaiar cara a cara com Denzel foi algo especial: “Sempre que você tem a chance de ficar cara a cara com Denzel e ensaiar uma cena, é um dia muito especial”, afirmou.

Transformação física

Durante o processo de preparação para Gladiador II, Paul Mescal ganhou peso e músculos que impactaram sua performance física e mental no filme. Ele explicou que, enquanto levantava pesos, não pensava diretamente no uso prático para manejar um arco e flecha, uma espada ou um escudo, por exemplo. No entanto, o ato de treinar e ganhar músculos mudou sua forma de se movimentar e afetou sua psicologia. “Isso foi a parte mais interessante para mim. O processo de transformação física tinha um propósito claro, que foi convencer o público de que meu personagem era capaz de causar danos físicos a outro ser humano. “É um lugar estranho para colocar sua mente”, admitiu, mas ele também considera essa experiência uma das mais reveladoras durante o treinamento. Ele acredita que essa mudança pode até envolver um aspecto hormonal, algo que o fez sentir-se constantemente pronto para lutar: “Você simplesmente sente que está pronto para lutar o tempo todo”, brincou o ator.

E, como era de se esperar, Paul Mescal lembrou que Russell Crowe influenciou de alguma forma sua interpretação de Lucius em Gladiador II. Mas também lembrou de sua experiência em Um Bonde Chamado Desejo, fundamental para abordar um projeto com um histórico tão marcante: “É uma obra [Um Bonde Chamado Desejo] com um histórico de interpretações famosas”, disse Paul referindo-se à performance de Marlon Brando, “e no momento em que fui escalado para a peça, não foi uma decisão consciente pensar: ‘Devo voltar e assistir?’. Foi algo instantâneo: você simplesmente não pode voltar e assistir. E senti algo parecido com Gladiador”.

O espírito de Maximus

Foi Ridley Scott que explicou a ele que o havia escalado muito por conta dos seus trabalhos em Normal People e Aftersun, algo decisivo. Isso ajudou Paul a entender que não deveria tentar recriar a performance de Russell Crowe como Maximus, já que esse território pertencia exclusivamente a ele: “Eu estava tentando usar as habilidades que aprendi em filmes que amo de coração, como Aftersun, Todos Nós Desconhecidos e Normal People“, explicou.

Para Paul, o objetivo era criar algo autêntico, não uma imitação, já que acredita que o trabalho de um ator é criar, não replicar. Apesar disso, reconheceu que o roteiro de Gladiador II carrega o DNA da performance de Russell, e ele permitiu que esses elementos transparecessem nos momentos certos: “O espírito dele vive no filme por causa do que ele fez, o que é algo incrível”, garantiu, provavelmente, referindo-se à cena em que seu personagem esfrega as mãos com o solo do Coliseu, clara referência ao primeiro filme.

Ao longo do processo, Paul se esforçou para trazer um estilo de atuação mais contemporâneo, inspirado em suas experiências recentes, para um contexto grandioso como Gladiador II. Ele admite que foi uma abordagem desafiadora, mas acredita que era a única maneira de honrar sua visão criativa: “Ao interpretar esses momentos, estou deixando ele [Maximus] entrar. E para o restante, estou tentando usar um estilo de atuação que me interessa no momento, em filmes fora do contexto de algo como Gladiador, e trazê-lo para Gladiador II. É assustador! [risos] Mas acho que essa foi a única abordagem que eu poderia adotar”, finalizou.

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