A Substância, dirigido por Coralie Fargeat, recebeu cinco indicações ao Globo de Ouro, incluindo melhor direção (Coralie Fargeat), melhor atriz (Demi Moore), melhor atriz coadjuvante (Margaret Qualley), melhor roteiro e melhor filme (comédia ou musical). O longa retornou aos cinemas brasileiros em versão dublada em 12/12, já chegou ao streaming e também tem potencial para o Oscar®.
O trabalho de Coralie pode ser destacado por sua abordagem única e pelo domínio da linguagem cinematográfica, chamando a atenção da crítica. Demi Moore, por sua vez, entrega uma das performances mais marcantes de sua carreira, quase como em um acerto de contas metalinguístico com sim mesma.
CriCríticos teve a oportunidade de participar da coletiva de imprensa que reuniu as atrizes Margaret Qualley e Demi Moore, que falaram sobre os desafios que A Substância exigiu delas e da equipe como um todo. Confira a seguir.
Projeto singular e complexo

Quem falou primeiro foi Demi Moore, que mencionou ter sido atraída pelo roteiro desde cedo, graças a sua singularidade e complexidade. O que a motivou a fazer parte do projeto: “Bom, antes de tudo, era uma forma absolutamente única de abordar esse tema, algo que me assustou na medida certa, o suficiente para me tirar da zona de conforto”, explicou ela.
Ela também ressaltou a profundidade da personagem e os temas abordados na história. “Além disso, era uma personagem incrivelmente complexa de interpretar, algo que eu definitivamente não tinha visto chegar até mim antes. Acho que foi algo que também explorava essa ideia não apenas do envelhecimento, mas da violência que podemos exercer contra nós mesmos, o que considero uma questão humana muito relacionável que todos compartilhamos”.
Por fim, Demi revelou sua hesitação inicial, mas também o fascínio pelo desafio: “Eu só não sabia se tudo isso iria funcionar. Esse era o ponto de interrogação”.

Já Margaret Qualley começou narrando o processo de preparação para o filme e como isso se conectou com Demi Moore, embora ambas tenham adotado abordagens diferentes, mas igualmente intensas: “Acho que tanto eu quanto Demi nos preparamos muito, mas de formas diferentes. Para mim, a preparação foi muito sobre a fisicalidade da Sue, tentando descobrir como seria o corpo dela, como ela se movia, e alcançar uma forma que pudesse representar uma ideia de perfeição na mente da Coralie”, explicou Margaret, referindo-se à diretora Coralie Fargeat.
Ela detalhou o processo de construção de sua personagem, buscando uma presença corporal que não carregasse traços de dor ou desconforto. “Ao mesmo tempo, a experiência foi sobre tentar sentir que meu corpo poderia se mover pelo mundo sem dor. Fiz muito yoga também para tentar… Se você entra no mundo como um ser humano completamente formado, sem ter vivido experiências, você não carregaria dores no corpo da mesma forma. Mesmo agora, por exemplo, o jeito como estou me mexendo enquanto falo mostra que estou desconfortável. Nada disso aconteceria. Então, tentei descobrir como seria isso”.
Margaret também refletiu sobre como o processo se alinhou ao de Demi: “O ponto em que minha preparação e a de Demi coincidiram foi, acredito, a seriedade com que encaramos o processo. Nós duas tínhamos objetivos diferentes, mas com a mesma intenção e intensidade, mergulhando totalmente no trabalho. Acho que somos muito parecidas na forma como digerimos o material e nos entregamos ao filme, então acabamos nos conectando sem precisar ter conversas intencionais sobre ‘ser uma só’”.
Conexão natural

Demi Moore acrescentou que a conexão entre elas aconteceu de forma natural e sem esforço: “Sim, não precisou de muito para que isso acontecesse. Estava pensando enquanto você falava, fizemos algumas atividades juntas. Trabalhamos com alguém que conduziu uma atividade com uma bola, e o objetivo não era exatamente algo específico, mas sim aprofundar nossa conexão. Concordo com Margaret, não exigiu muitas conversas. Era quase como se nossa confiança e o cuidado mútuo fossem suficientes para criar essa conexão sem precisarmos analisá-la demais”.
Margaret respondeu ao comentário de Demi, reconhecendo a construção natural de sua conexão: “É engraçado, porque enquanto você diz isso, percebo que estávamos, de certa forma, fazendo isso. Só que não necessariamente com essa intenção clara. Estávamos constantemente nos comunicando, compartilhando experiências e construindo uma a partir da outra. Acho que isso acontece inevitavelmente”.
Voltando para Demi, ela também destacou a vulnerabilidade presente no processo de preparação e a importância do trabalho colaborativo. “Mas acho que havia uma vulnerabilidade nesse processo. Entramos nele com muitas conversas preparatórias sobre como isso deveria parecer. E também entendendo o foco de Coralie, que é uma roteirista visual além de diretora. Estávamos realmente presentes uma para a outra, tanto na vulnerabilidade física quanto na emocional. Apesar de estarmos em jornadas separadas, tínhamos que sustentar um equilíbrio mútuo”, avaliou.
Ao refletir sobre como o filme aborda questões relacionadas à imagem corporal e às pressões sociais, Margaret Qualley destacou a relevância desses temas nos dias de hoje. “Acho que um dos motivos pelos quais me senti atraída pelo roteiro foi porque ele aborda temas que, infelizmente, estão super presentes na vida de todos, mas de uma forma elegante e fantástica que o torna emocionante”, explicou ela.
Ela compartilhou como sua experiência pessoal influenciou sua interpretação. “Eu cresci como dançarina, depois modelei por um tempo e, em seguida, comecei a atuar. E em cada etapa do caminho, houve uma pressão incrível em relação à ideia de ser perfeita ou de alcançar algo inalcançável, especialmente no mundo da dança, onde há algo muito específico que você está tentando alcançar”. Apesar das dificuldades, Margaret demonstrou gratidão pelo momento atual: “Sinto que sou muito sortuda por viver em uma época em que muitos desses padrões estão sendo desconstruídos e reinventados. Sou muito grata por estar viva agora”.
Temas que presistem

No entanto, ela reconheceu que as questões persistem: “Interpretar Sue foi, certamente, entrar no olho do furacão. Foi mental e fisicamente desafiador e, de certa forma, exaustivo. Estou feliz por ter enfrentado essas coisas de frente e me sinto mais forte por causa disso. Mas também acredito que, apesar do mundo estar em um lugar melhor do que estava há 10 anos e, esperançosamente, continuar melhorando e ficando mais fácil, essas ainda são questões que homens e mulheres enfrentam constantemente”.
Demi Moore, por sua vez, descreveu como o filme ampliou sua visão sobre os padrões de beleza e os desafios enfrentados por mulheres. “Não sei se isso mudou minha perspectiva sobre os padrões de beleza. Acho que foi mais um reflexo dos padrões de beleza que sempre existiram e que, em muitos aspectos, foram sustentados por um acordo tácito, quase como um pacto silencioso”, disse ela.
E também analisou como essas questões são perpetuadas socialmente e internamente: “O que acho que isso fez por mim foi expandir ainda mais a ideia de como as circunstâncias em Hollywood e na sociedade como um todo se manifestam. Mas também acho que muito disso é algo que nós, como mulheres, também concordamos inconscientemente: a ideia de que, ao envelhecer, somos colocadas de lado ou somos vistas como menos desejáveis ou menos valiosas. Não acho que isso seja necessariamente a verdade, mas acredito que exista uma consciência coletiva sobre isso”.
A experiente Demi destacou a transformação pessoal que vivenciou durante o processo. “Durante o processo de fazer este filme, isso me permitiu, em um nível pessoal, olhar para os julgamentos que eu estava sustentando contra mim mesma, onde eu estava me pressionando e me cobrando para atender a esses padrões que não são necessariamente realistas. Ao invés disso, aprendi a focar e celebrar tudo o que sou, ao invés de me concentrar no que não sou”, explicou.
Por fim, ela resumiu o impacto positivo dessa jornada. “Sinto que essa foi uma das partes mais poderosas deste filme para mim. Então, respondendo de forma simples, sinto que saí dessa experiência um pouco mais liberada dentro de mim mesma”.
Beleza desumanizada

A jovem Margaret Qualley compartilhou suas impressões sobre interpretar uma personagem que, embora simbolize um ideal de beleza, carrega uma essência hostil e desumanizada: “É uma personagem muito estranha de interpretar, para ser honesta. Nunca tive uma experiência parecida com essa. É muito bizarro porque, no final das contas, ela é quase sem coração, sabe? Ela é meio que sem alma. E as coisas que ela mais valoriza talvez sejam as piores partes de ser humano. Amplificar isso, torná-lo o maior possível, foi bastante exaustivo”, explicou Margaret.
Apesar dos desafios, ela reconheceu a importância de seu papel dentro da narrativa: “Mas sinto que faço parte de uma mensagem maior. Sabe o que quero dizer? Estou sendo uma boa soldada na tentativa de contar essa história, de trabalhar com a Demi, e vou ser o lado ruim para que ela possa ser o lado bom”.
Na sequência, Demi Moore adicionou sua perspectiva, destacando o fio condutor emocional que conectava ambas as personagens: “Mas vou acrescentar a isso porque acho que, sim, enquanto tudo para Sue era impulsionado externamente, também havia um fio condutor que nos conectava, já que estávamos interpretando a mesma pessoa: o ferimento profundo e o desejo de ser amada”.
Algo com que Margaret concordou, reconhecendo a profundidade trazida à personagem. E Demi complementou: “Acho que alguém com menos profundidade do que Margaret poderia ter tornado essa personagem algo apenas superficial. Mas sinto que há tanta nuance em nossa dor compartilhada”. Por fim, Margaret concluiu com concordância e gratidão pelo trabalho em conjunto, “É verdade. Vou seguir nessa linha”.

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