Um dia perfeito tem tantas definições quanto o número de pessoas vivas no planeta, mas para Hirayama é algo bem simples. Acordar ao som do vizinho varrendo a rua, dobrar o futon, regar as plantas e sair para o trabalho. Silencioso, Hirayama limpa banheiros públicos em Tóquio, tarefa bem menos inglória em um país em que zelar pelo espaço público é parte intrínseca da cultura.
Entre um banheiro e outro, Hirayama curte a komorebi, como a língua japonesa chama a luz que se filtra pelas folhas das árvores. Uma rotina tão regular que com um aceno, ele pede e recebe autorização do funcionário de um templo para resgatar um broto de árvore. Será mais uma plantinha que vai para o berçário que Hirayama tem em seu apartamento minúsculo e espartano, onde elas crescem até serem capazes de sobreviver em um parque da cidade.
É uma vida simples. Hirayama é cliente cativo do mesmo bar e do mesmo restaurante, frequenta o mesmo onsen, o banho público. A caminho do trabalho, ele ouve uma de suas fitas cassete com velhos sucessos, um deles, obviamente, Perfect Day, de Lou Reed. As noites terminam com a leitura de um de seus muitos livros, comprados no mesmo sebo. Num país tecnológico, Hirayama segue uma existência analógica, sem computador ou celular, revelando fotos feitas em filme. Os andares e desejos alheios indiferentes a ele.
Identidade
O gosto musical e literário de Hirayama, entretanto, indica que toda essa simplicidade é uma escolha e não fruto de falta de oportunidade. Mas o filme se alonga antes de revelar mais sobre esse homem. Primeiro o vemos em contraste com seu jovem companheiro de trabalho, um rapaz tão falante quanto Hirayama é calado.
Só quase ao final descobrimos mais quando sua rotina é perturbada por uma visita. Com ela, vemos que o contentamento de Hirayama é uma conquista. Houve rompimento e um custo. Para chegar ao minimalismo de hoje, fatos e pessoas ficaram pelo caminho. Não há explicações ou flashbacks, mas vislumbramos o que fez de Hirayama um homem contente com pouco. Um homem capaz de mostrar a outro a alegria de uma brincadeira infantil.
Origem
Além de toda sua poesia, Dias Perfeitos (Perfect Days) mostra como a origem não define o resultado de um filme. Suave e meditativo, o longa nasceu de um convite do Tokyo Toilet Art Projetc. Após contratar arquitetos e designers famosos para projetar 17 banheiros públicos bacanas no bairro de Shibuya, a entidade convidou Wim Wenders para uma visita e talvez produzir uma série de curtas sobre os banheiros.
Apaixonado por Tóquio, Wenders convenceu os anfitriões não só de que um longa seria melhor, como ele também poderia ser produzido no mesmo prazo de 16 dias e com a mesma verba. O resultado é elegante e minimalista e um enorme contraste com o gigantismo dos outros filmes nas telas nesse momento.
Não é uma história de reviravoltas ou descobertas, explosões ou reencontros. É sobre apreciar a constante mudança à nossa volta, usufruir dos pequenos instantes e o poder do agora. O que não quer dizer que todo o cinema deve seguir essa rota e esquecer os filmes pipoca, grandes biografias ou filmes sobre ícones culturais. Mas serve de alerta de que tem de haver espaço para todos.
Em especial para filmes como esse, que comercialmente não têm poder para competir com 50 tons de efeitos especiais. Estreou em 29/02/24, distribuído pela MUBI/O2 Play. E já está no streaming.

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