Recordista de indicações ao Oscar 2025, Emilia Pérez acabou sendo, também, o grande enigma do ano. Como um filme tão detestado conseguiu tantas indicações ao mais almejado prêmio do cinema, mesmo sob constante acusação de ser mais um resultado da verba de marketing do que qualidade das produções?
Dirigido pelo francês Jacques Audiard, o longa inspirado pelo livro Écoute, de Boris Razon, tem Zoe Saldaña como Rita, uma advogada que ainda não desenvolveu o sangue de barata necessário para atuar sem se preocupar se o cliente é culpado ou não. Nós a encontramos durante o julgamento de um cliente obviamente culpado de agredir a esposa quando, num salto de falta de lógica para uma mulher que vive num país de alta criminalidade, ela aceita encontrar-se sozinha na rua à noite com um anônimo que a chama ao telefone.
A chamada vem de Manitas (Karla Sofía Gascón), traficante que contrata Rita para planejar a saída da esposa dele, Jessie (Selena Gomez) e dos filhos do México e, o mais importante, encontrar um médico que faça as cirurgias necessárias para completar sua transição de gênero.
Quatro anos depois, Rita está em Londres, liberta do emprego mal remunerado pelos honorários pagos por Manitas. A vida é bela, mas assim como não se pode invocar o capeta e depois pedir para que ele se comporte, não há como receber dinheiro do crime e fazer de conta que se é uma pessoa honesta. Manitas, agora Emilia Pérez, reaparece e exige voltar ao México e reconectar-se com a mulher e os filhos.
Se até aqui a história já envolvia muitos temas complexos demais para um filme só, como a violência dos cartéis mexicanos e transição de gênero, o retorno adiciona a grave questão dos desaparecidos no país – mais de 100 mil pessoas, 10 mil somente em 2023, 30 mil assassinatos ao ano – mais o conflito entre a busca de uma nova vida por Jessie, oficialmente viúva, e o desejo de Emília de mantê-la, e aos filhos, ao seu lado e ainda a busca de Emília pela redenção de seus atos enquanto traficante . Num roteiro que inclui números musicais, a maioria, na verdade, declamações com música e dança, interpretado por atores que não soam como mexicanos, algo que nós aqui não vamos notar, mas percebemos quando atores de outras nacionalidades interpretam brasileiros.
O resultado é uma história que começa como policial, ganha tom de Uma Babá Quase Perfeita (1993) e melodrama de amor impossível e termina sendo um musical sem qualquer música que vai ficar tocando na cabeça do público na volta para casa. É uma produção que não sabe bem o que quer ser e acaba indo para todo lado ao mesmo tempo.
Em outras palavras, não é à toa que os mexicanos criticaram o longa, acusando-o de banalizar o problema dos desaparecidos e de ser inverossímil. Já a comunidade LGBTQIA+ considera a representação trans do filme antiquada e sexista – uma das músicas da trilha sonora se chama “La vaginoplastia”, com um médico explicando os procedimentos necessários para Manitas se tornar Emília. A explicação do diretor de que se trata de uma ópera não exclui a responsabilidade de algo pelo menos plausível, e a ideia de que a transição de gênero possa funcionar como fuga para criminosos não é uma boa definição do termo. Emilia Pérez estreia em 6/2 distribuído pela Paris Filmes.

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