Em um momento de Pequenas Coisas Como Estas, a madre superiora do convento convida o carvoeiro Bill Furlong para o chá. Diante da lareira, a religiosa oferece bolo e pergunta pelas filhas de Bill, lembrando o esforço que as freiras fazem para arranjarem vagas para todas as meninas na escola que dirigem. O tom é suave, o ambiente confortável, mas a ameaça é clara. Se Bill tomar qualquer atitude sobre o que acontece no convento, suas filhas serão as primeiras a pagar, seguidas pelo pequeno negócio com que ele mantém a família num precário equilíbrio financeiro.
Baseado no livro de Claire Keegan, Pequenas Coisas Como Estas examina a ferida aberta da Irlanda deixada pelas lavanderias de Madalena. Criadas na Inglaterra – originalmente pela igreja protestante no século 18 e depois pela igreja católica – estas instituições chegaram à Irlanda em 1922. Seu objetivo era oferecer abrigo a mães solteiras e outras mulheres de comportamento inaceitável. Isso incluía ser muito bonita ou ter sido vítima de crime sexual. O que acontecia nas lavanderias, entretanto, estava longe da ideia de moradia e treinamento profissional para adolescentes cujos pais as jogariam na rua por quebrarem a regra de ouro de sexo só após o casamento. Além da exploração do trabalho e condições insalubres, as meninas sofriam maus-tratos. Os bebês eram obrigatoriamente entregues para a adoção.
Calado, correto e “coração mole” pelas avaliações de sua esposa e conhecidos, Bill Furlong tem um olhar especial para a situação. Por um lado, é pai de meninas. Por outro, é ele próprio filho de uma mãe solteira salva das lavanderias graças a uma mulher que a acolheu. Pragmática, a esposa de Bill aponta que isso só foi possível porque a mulher era uma rica proprietária de terras. Em outras palavras, afrontar as regras é para quem não depende de ter trabalho para viver.
Esse é o dilema de Bill, interpretado por Cillian Murphy (Oppenheimer), fazer o certo ou o que é correto para proteger sua família. Não é uma decisão fácil numa comunidade dominada e o trabalho de Murphy é fazer com que cada ponderação transpareça no olhar, nos movimentos, no ritual de lavar as mãos sujas de carvão ao final do dia. Não há exageros, gritos, revolta, discursos ou ameaças. Assim como Emily Watson não exagera em sua interpretação da madre superiora, por isso mesmo resultando muito mais apavorante com seus olhos plácidos e voz macia. Uma história poderosa centrada em dois atores no comando de sua técnica. Estreia em 13/3 distribuído pela O2 Play.

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