Escrever sobre Milton Nascimento é uma tarefa hercúlea. O tempo todo tentando encontrar sinônimos para genial, único e perfeito. Por maior que seja o seu vocabulário, vão lhe faltar palavras.
Chico Buarque, que como Bituca, está em uma patamar além do humano, define Milton assim: “Ele é único”. E acrescenta:
“Bituca manda em mim. Sempre mandou. E eu obedeço”.
Quando o meu editor (e professor) me passou a pauta sobre o documentário não consegui resistir e perguntei: “posso ser sentimental na minha crítica?” – e ele, com a sua experiência acumulada no tempo em exercer o jornalismo, me orientou: “Com o autor e sua música, sim. Seja neutro com o documentário”. E lhes garanto, não foi necessário.
Milton Bituca Nascimento
Flavia Moraes nos traz um trabalho excelente. Muito bem dirigido, editado e elaborado. Ao tentar encontrar algo que não fosse bom no filme dela para não deixar o meu sentimento pelo Bituca transparecer, não o encontrei.
Flavia Moraes é produtora, diretora, montadora e showrunner. Durante 21 anos liderou em São Paulo uma grande produtora, onde produziu e dirigiu uma impressionante quantidade de comerciais, filmes, documentários, séries de TV e grandes shows.
Primeira mulher brasileira a integrar o Director’s Guild of America, Flavia foi premiada com Cannes Lions, Clios, FIAP e Caborés, entre outros. Desde 2016, residindo em Los Angeles, dedica-se a projetos de assinatura que promovem transformação e exploram narrativas ousadas e libertadoras.
Trabalho bem feito
As vozes sobrepostas, o jeito que a edição vai nos direcionando para o foco do pensamento dos entrevistados, não é só um truque para mostrar que sabe fazer. Faz sentido estar ali. A trilha sonora é maravilhosa, como não poderia deixar de ser, são as músicas do Nascimento que tocam. Ele cantando Travessia em inglês é memorável.
Além do mais, o tempo que a equipe de filmagem acompanhou a turnê de despedida, são dois anos, mostra, sobretudo, o quanto Milton Nascimento é único, como já citado por Chico Buarque.
E tudo isso narrado por Fernanda Montenegro, que é inigualável, como Bituca.
Devotos
Moraes traz uma tonelada de gente famosa, hiper talentosas e que são, de verdade, devotos da voz e da musicalidade de Bituca.
Nomes como Caetano Veloso, Djonga, Sergio Mendes e mestres de Jazz. Spike Lee revela que teve que cobrar favores para poder conseguir ingressos para o show na cidade de Nova Iorque. E falando sobre a Grande Maçã (The Big Apple), o The New York Times publica uma matéria de meia página para falar do homem que começa a encerrar sua carreira nos palcos.
E como todos os venerados, um profeta é necessário existir. Márcio Borges disparou:
“Bituca, escuta o que eu estou te falando. O mundo inteiro vai falar de você”.
Sou do mundo, sou de Minas Gerais
Fernanda Montenegro nos narra no documentário que “Milton foi barrado em diversos testes em escolas de canto, mas hoje é estudado por essas escolas”.
Carioca de nascimento, mineiro por paixão (foi para Minas com aproximadamente dois anos), Milton é um homem preto adotado por um casal de brancos. E o próprio Bituca nos conta que a mãe adotiva sofreu mais racismo do que ele: “Uma mulher Branca com um negrinho”.
A escritora Djamila Ribeiro, assim como tantos outros no filme, presta sua homenagem e afirma:
“Uma pessoa preta viver tanto tempo, dessa maneira genial. De poder fazer um show, uma turnê aos 80 anos. Isso é revolucionário, em um pais que mata pessoas negras. Reverenciado como um Orixá“.
Nos Bailes da Vida
Na minha adolescência fiz teatro. Na minha primeira apresentação para o público foi uma esquete montada baseada nas músicas, Nos Bailes da Vida de Milton e Brant, e Saudosa Maloca de Adoniran Barbosa. E essa apresentação me colocou em uma encruzilhada. Descobri tardiamente o poder genial de Milton Nascimento e, cedo demais, que eu não teria nunca o mesmo talento.
O músico e produtor Krishna Dias define a música de Bituca: “Quando ouvimos Milton cantar, não ouvimos com os ouvidos. Ouvimos com o coração”.
Nascimento nos revela a natureza. O poder da música do maestro e compositor Heitor Villa Lobos, o poder de Miles Davis, a complexidade de João Gilberto só poderiam resultar em um homem preto e poderoso, Milton Bituca Nascimento.
Milton Bituca Nascimento estreia nos cinemas de todo o país no dia 20 de março, distribuído pela Gullane+.
