Crônica | Não é Alzheimer

Crônica | Não é Alzheimer

Outro dia fui tomar um cafezinho e comer um pastelzinho de pizza no bar-lanchonete Corcovado, na esquina da Epitácio com Januário. Este ritual se repete há trinta anos ou mais. Lá, tenho a oportunidade de sempre encontrar um amigo da juventude, o Alexandre, famoso Raspadinha. Esta amizade nasceu por volta do final dos anos 1950 e continua firme e forte, como se o tempo tivesse esquecido de nós.

Sempre dividimos, após aposentados, este encontro com outros velhos amigos: Claudio, Cosme, Heitor, Jorge, Luiz, Zé Roberto-Risadinha, Paulinho e Orlando José. Nos dias de semana, os encontros são regados a cafezinhos com leite e sem leite e pasteizinhos de queijo. Nos finais de semana, trocávamos os  cafezinhos por caipirinhas e algumas cervejinhas e muito papo furado, risadas estrondosas e lembranças de nossas lambanças.

Os anos passaram, os encontros continuaram. Todavia, o grupo, ano a ano, foi diminuindo. Hoje restou somente o Alexandre e eu. A saudade ficou e todas as vezes que nos encontramos, o Alexandre e eu, fazemos uma homenagem que se tornou um ritual. Oferecemos a todos um gole de café ou caipirinha e repetimos cada um dos nomes.

Neste último final de semana não foi diferente. Após fazermos os pedidos habituais, caipirinha com bastante gelo e um pouco de água mineral com gás (a lembrar um Gin fiz), que batizamos 51 fish. Fomos nos sentar em nossa cativa mesa.

Conversa vai, conversa vem, saiu o assunto dos problemas que estavam ocorrendo: esquecimentos. Não fomos diagnosticados com Alzheimer, porém, com esquecimentos e apagões causados pela idade. Acabamos de completar 81 anos. Sou mais velho 15 dias que ele e sempre brinco que “Exijo respeito porque sou mais velho!”. Vêm as risadas:

– E aí, Alexandre, quais são as novidades? – pergunto.

-Estaria tudo igual, sem novidades, se não fosse o fato ocorrido na segunda-feira passada. – responde Alexandre com um olhar amuado.

-Vamos lá companheiro, conte tudo! – repico.

-Muito bem, vamos lá! Você está careca de saber que sigo uma rotina, faça sol ou faça chuva, nos últimos 50 anos. Acordo, levanto todos os dias por volta de 5h45, sigo para o banheiro, faço as minhas necessidades e depois tomo uma bela chuveirada. Em seguida, me visto e saio com a Luna, minha cachorra, e venho tomar o meu pingado com pão na chapa. A Luna o mesmo.

-E aí? Continua que estou curioso! – falo e em silêncio penso, “Q que pode ter acontecido com o turco do Alexandre?”.

-Nesta segunda-feira não foi diferente. Acordei, levantei e segui para o banheiro. Liguei o chuveiro, me preparei e sai com a Luna em direção à padaria Corcovado. Cheguei, me dirigi ao balcão, pedi o de sempre e fui esperar sentado aqui na mesa.

-E depois? – pergunto sem nada entender.

-Quando a polícia chega e me leva preso! – Porra, Alexandre! Cacete! O que foi que aconteceu? O que você fez de errado?

-Saí peladão na rua. Esqueci o chuveiro ligado e ainda no lugar da Luna, peguei o gato, coloquei a coleira e o puxei até a padaria…

E depois dizem que é a melhor idade…

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