A partir de um naufrágio no século XIX, o filme Sobreviventes propõe uma reflexão sobre os legados da escravidão, do colonialismo e as possibilidades (ou impossibilidades) de reconstrução social. Tudo muito bem atual, ainda mais se levarmos em conta a recente xenofobia lusa contra brasileiros residentes e o sarro que muitos de nós tiram de Portugal ao chamá-la de Guiana Brasileira.
Este é o último longa-metragem do cineasta luso-brasileiro José Barahona, falecido em novembro de 2024. Barahona consolidou-se como um realizador interessado na intersecção entre história e ficção, tocando em temas como memória, deslocamento e identidade. Em Sobreviventes, ele afina esse repertório ao máximo: o ponto de partida é um naufrágio de um navio negreiro, mas o que se constrói é um microcosmo dramático e ético em uma ilha deserta onde brancos e negros tentam, à força, reconfigurar a convivência.
O argumento, criado por Barahona, foi desenvolvido em parceria com o escritor angolano José Eduardo Agualusa, que acrescenta ao roteiro uma camada de perspectiva africana rara em obras do gênero. Agualusa costuma defender que os africanos na história não são vítimas passivas, mas sujeitos ativos em sua resistência. Essa visão se traduz na força dramática de Sobreviventes, que tensiona a ideia de reconstrução: o que fazer com os escombros de uma sociedade fundada na violência?
A metáfora do naufrágio é, aqui, literal e simbólica. A ilha onde se passa a trama torna-se palco para um experimento político e ético: é possível fundar um novo mundo sem repetir as estruturas do antigo?
A direção de Barahona evita respostas fáceis. Sua mise-en-scène é contida, reflexiva, e ganha força no uso dos silêncios e nos embates verbais entre os personagens. E na ausência de cores, claro. Estreia nos cinemas brasileiros 24/4, com distribuição da Pandora Filmes.
