Crítica | Filme | Lições de Liberdade

Crítica | Filme | Lições de Liberdade

Um dia, Tom Michell resolveu limpar o sótão. O que seria uma tarefa inglória para a maioria de nós deu origem a um livro e a adaptação para o cinema com Steve Coogan (Philomena) como Michell, um inglês um tanto perdido aqui na América do Sul. Isso porque, entre os guardados e esquecidos, Michell encontrou um filme antigo de um pinguim nadando numa piscina.

O fato, nem tão inusitado assim, afinal, pinguins nadam e, se tiverem a chance, fazem isso em piscinas, nos leva à Argentina de 1976, onde Michell chega para trabalhar como professor num internato para garotos. Falta pouco para o golpe de estado que deu origem à ditadura responsável pela morte e “desaparecimento” de milhares de argentinos cujo número total varia conforme a fonte consultada e jamais será objeto de acordo.

Nesse cenário de convulsão social e política, Michell não é um professor particularmente inspirado ou inspirador. Por motivos revelados ao longo do filme, sua viagem para longe de casa é mais uma fuga do que a vontade de iluminar jovens mentes ou entrar em contato com outras culturas. Em uma cena, ele simplesmente abandona a sala de aula para tirar uma soneca. Isso até o pinguim, que Michell encontra numa praia de Punta del Leste, único sobrevivente de um derrame de óleo.

Levado para a Argentina – Michell tenta deixar o bicho na praia, mas o pinguim se recusa a deixar seu humano de estimação – o pássaro ganha o nome de Juan Salvador Gaivota em homenagem ao livro de Richard Bach que por aqui se chama Fernão Capelo Gaivota. Michell não pode ter um bicho de estimação no colégio. E nem quer ter. Mas, logo Juan Salvador encontra lugar em sua vida, bem como entre alunos e professores enquanto Michell vai se abrindo ao mundo que o cerca, incluindo ao risco de afrontar regras na sala de aula e militares em ditaduras. O tom do filme acompanha essa mudança, indo do ambiente rígido do internato com sua arquitetura antiga e para a casa simples de María, funcionária da escola que vai se tornar uma das Mães da Praça de Maio.

Sempre em movimento da questão pessoal de Michell ao impacto da ditadura argentina, Lições de Liberdade não chega a ser um daqueles filmes clássicos de professor inesquecível, como Sociedade dos Poetas Mortos (1989). Mas também não é um drama político como Desaparecidos: Um grande mistério (1982). Talvez por isso não seja profundo em nenhum dos dois temas que explora, mas é um filme simpático e cheio de bom coração. Coogan está ótimo como o inglês irônico que destila falta de interesse por tudo e todos do início do filme e interpreta com delicadeza as mudanças que atingem Michell, assim como Bjorn Gustafsson (Tornando-se Astrid) como Tapio, o outro professor estrangeiro do colégio, sempre engraçado em sua eterna dor pelo fim do casamento.

A aspereza da situação argentina não deixa Lições de Liberdade ser um daqueles filmes para uma tarde tranquila, mas assim como faz com os personagens, o pinguim ajuda a encarar a dor. E pensar que tudo começou com uma faxina. Estreia em 24/7 distribuído pela Diamond.

Deixe um comentário