Crítica | Série | Alien: Earth

Crítica | Série | Alien: Earth

 Acredito que o século 21 é o século do revisionismo, tanto no cinema como na televisão. Não se trata do revisionismo falado por historiadores sobre o passado da humanidade, onde foram cometidos erros e atrocidades contra povos e até civilizações. Nada tão dramático, mas de tentar contar uma nova história de algo que já virou história, nas duas telas. Já vimos cineastas e produtores mergulharem em suas qualidades para narrar novas origens de personagens. Veja a polêmica gerada por James Gunn ao mostrar, em Superman, que os pais biológicos do Homem de Aço tinham uma agenda bem diferente do que foi convencionado nos quadrinhos, nas séries de TV e, claro, nas primeiras adaptações do herói para o cinema.

Ridley Scott, responsável por transformar a ideia original de Dan O’Bannon no sucesso de terror espacial Alien – O Oitavo Passageiro (1979), decidiu que poderia criar uma origem para a criatura espacial mais violenta do cinema. Começou com o filme Prometheus (2012), que mostra uma expedição espacial patrocinada por Peter Weyland (Guy Pearce) para localizar os responsáveis pela origem da humanidade.

Primeiro erro: acreditar que é possível se afastar das questões religiosas relacionadas à Criação, colocando o ego de Scott muito acima do tolerável. Como aventura espacial, o filme é interessante. A partir do momento em que mexe no conceito de que a “culpa” da humanidade ser “defeituosa” estaria nos ombros de uma raça avançada, a possibilidade de erro é gigantesca. E é o que acontece em Alien: Covenant (2017), também assinado por Ridley Scott.

O filme começa com a revelação de que David (Michael Fassbender), o androide colocado em Prometheus para administrar os interesses sinistros do dono da Weyland, dizimou a raça dos Engenheiros, aqueles que seriam os criadores da humanidade. Pior: o filme mostra que a médica-cientista Elizabeth Shaw (Noomi Rapace), que viajou para o planeta dos Engenheiros para tentar saber por que essa raça decidiu criar a humanidade, é morta por David, que usa seu corpo em experimentos com o objetivo de criar uma nova forma de vida, uma arma biológica.

Sim, o androide com complexo de Deus cria a criatura que quase destruiu toda a tripulação do Nostromo no filme de 1979.

Felizmente, essas egotrips de Ridley Scott não deram certo. Não foram fiascos de bilheteria: Prometheus custou 130 milhões de dólares e faturou quase 450 milhões, enquanto Covenant custou 97 milhões e arrecadou cerca de 240 milhões ao redor do mundo. Mas, sem dúvida, quase comprometeram a franquia criada pela Fox a partir do sucesso mundial de Aliens – O Resgate (1986).

Felizmente, o cineasta uruguaio Fede Álvarez surgiu no horizonte para mostrar que ideias originais não precisam contar a origem de nada. Foi assim que ele demonstrou a muitos veteranos como recriar a tensão espacial da ideia original de Dan O’Bannon com Alien: Romulus (2024). O primeiro ponto favorável do filme é que se passa quase vinte anos após os acontecimentos que destruíram o Nostromo. Ou seja, uma referência direta ao primeiro filme. Outro ponto importante é que trouxe para esse período o mesmo tipo de tecnologia vista no original. Além, claro, de várias referências diretas ao clássico e de ter faturado 350 milhões de dólares nos cinemas ao redor do mundo, com um orçamento de cerca de 80 milhões. Lucro garantido.

O que nos leva à questão que motivou toda essa introdução: como produzir uma série de TV que leve em consideração os acertos da franquia, não apenas para agradar os fãs, mas também para atrair novos curiosos a conhecer de perto o terror que gerou a épica frase: “No espaço, ninguém vai ouvir você gritar!”

A série surgiu da mente criativa de Noah Hawley, que escreveu episódios da série Legião, sobre um obscuro personagem mutante da Marvel, e transformou o sucesso dos irmãos Coen, Fargo – Uma Comédia de Erros (1996), numa das melhores antologias sobre crime e castigo lançada em 2014. Noah, fã confesso do clássico de 1979, decidiu aproveitar a ideia usada em Romulus para mostrar que a monstruosa criatura, que tem ácido no lugar do sangue correndo em suas veias, já esteve na Terra causando destruição. E não estamos falando da referência do filme Alien vs. Predador (2004), que se passa no início do século 20.

O fato é que Noah criou uma história contemporânea aos eventos que, teoricamente, levariam à missão do Nostromo. Neste futuro distópico, sabemos que a Terra é basicamente dominada por cinco grandes corporações tecnológicas, cada uma delas lutando de forma suja para controlar o planeta. É na nave espacial Maginot, que pertence à Weyland-Yutani — a mesma empresa da Nostromo — que nasce a crise.

Lançada para explorar o espaço profundo, a Maginot acaba descobrindo uma raça de predadores espaciais que pode ser transformada em arma biológica muito eficiente. Essa eficiência, no entanto, elimina toda a tripulação da nave e a coloca em rota de colisão com a Terra. Para desespero da corporação, a Maginot vai cair no centro de uma das cidades controladas pela Prodigy, sua principal concorrente, no Mar da China.

A Prodigy está se preparando para lançar uma das mais sofisticadas pessoas sintéticas já construídas, superiores a robôs e androides comuns desse período da Terra. Os Híbridos da Prodigy têm corpo de androide, mas com a mente transplantada de pessoas. O detalhe que faz a diferença é que a mente que vai para o corpo artificial é de uma criança ou adolescente com doença terminal. Ou seja, ganharia a chance de uma nova vida ilimitada dentro do novo corpo.

E aí vem a pegadinha: todos os novos Híbridos fazem parte do Projeto Garotos Perdidos, numa homenagem direta a Peter Pan. A primeira híbrida é Wendy (Sidney Chandler), que lidera o pequeno grupo de híbridos para investigar a área onde a Maginot caiu. Só que Wendy tem outro motivo. Seu irmão Joseph (Alex Lawther) é um dos soldados médicos da cidade que vai ajudar as vítimas desse inusitado desastre, sem saber que a irmã vive no corpo de um androide.

O que ninguém sabe ainda é que, além de várias espécies de criaturas de outros planetas, um dos aliens conseguiu se libertar de sua prisão na Maginot, causando a queda da nave. Para piorar, o androide encarregado da segurança da nave, Morrow (Babou Ceesay), tem a missão de entregar a carga para a Weyland, mesmo que, para isso, precise eliminar qualquer interferência.

E tudo isso acontece no primeiro episódio…

O clima de tensão vai aumentando a cada episódio, especialmente quando o pessoal da Prodigy, liderado por Kirsh (Timothy Olyphant), cientista sintético da corporação e mentor de Wendy, começa a realizar experiências com os ovos alienígenas. Será que ele vai ultrapassar os limites do razoável para descobrir como usar essas criaturas como armas biológicas? Ou será que estamos vendo o estopim de algo que pode acabar com a Humanidade como a conhecemos?

Alien: Earth é um achado dentro da franquia. Além de respeitar os preceitos sobre a criatura imaginada por Dan O’Bannon, a série coloca na linha de frente um grupo de crianças superpoderosas que não têm ideia do que irão enfrentar ou por que precisam fazer isso. É como se fossem lutar contra a tripulação do Capitão Gancho sem o lendário pó de pirlimpimpim. Vai ser brutal.

A série mostra também que os interesses dessas megacorporações não têm nada a ver com o bem-estar da humanidade ou o futuro do planeta. Assim como vemos hoje as empresas globalistas afirmarem querer um futuro melhor para os humanos que vagam pelo planeta, quem pode garantir que o que realmente importa não é apenas o lucro desenfreado, mesmo que, para alcançá-lo, seja necessário acabar com a sociedade que conhecemos?

Alien: Earth é uma série diferente. Não importa se você viu ou não algum dos filmes da franquia. Isso pode ajudar em alguns pequenos detalhes, mas não é essencial. É uma história bem construída, que mistura sentimentos novos para quem acabou de ganhar uma segunda chance como híbrido e decisões violentas que podem definir o futuro do planeta… ou melhor, o futuro da raça humana.

Os próximos episódios serão cruciais…

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