Crítica | Filme | Downton Abbey: O Grande Final

Crítica | Filme | Downton Abbey: O Grande Final

Nosso primeiro contato com Downton Abbey acontece na carona de um avanço tecnológico e o vendaval da mudança. Corre pelos fios do telégrafo que o inafundável Titanic afundou, levando consigo, entre nomes reais como o fundador da loja Macy´s, John Jacob Astor e Benjamin Guggenheim, o fictício herdeiro da família Crawley.

A notícia abala o pequeno ecossistema formado pela família nos andares superiores e o batalhão de empregados que vive no andar de baixo, todos, no final, servidores de Downton Abbey, a gigantesca propriedade rural da família Crawley, “interpretada” pelo impressionante Highclere Castle. É apenas a primeira das muitas mudanças que acompanhamos ao longo de seis temporadas e dois longas em que as saias subiram pernas acima, a eletricidade e o telefone se tornaram comuns, uma guerra mundial veio e se foi, assim como a pandemia de 1918.

O terceiro e último – último? – longa mais uma vez encontra Downton Abbey sendo empurrada para o futuro pelas mudanças à sua volta. Novos impostos tornaram a manutenção das grandes casas uma missão impossível. E enquanto a vida segue seu rumo, o velho e o novo se chocam e alguns resistem, mesmo entendendo a futilidade de tentar impedir que as coisas mudem.

Tudo começa na brilhante Londres de 1930, iluminada pelas peças de Noel Coward e grandes acontecimentos sociais como o baile de Lady Petersfield (Joely Richardson) do qual Lady Mary (Michelle Dockery) é expulsa quando surgem notícias de seu divórcio. Estranho para os seres do século 21, o título de divorciada tinha então o mesmo efeito de anunciar hoje a amigos e parentes estar contaminado pela COVID.

Junto com o status de pária de Mary, e o plano que se desenrola para recuperar sua posição social, acompanhamos a luta de Robert Crawley (Hugh Bonneville) em reconhecer que seu tempo como gestor de Downton Abbey chegou ao fim. É hora da aposentadoria também para o Sr. Carson (Jim Carter). Cada um seu meio, ambos enfrentam a sensação de vazio, de inutilidade que acomete quem fez da obrigação sinônimo da própria vida. Mais em paz com o fim da carreira, a cozinheira sra. Patmore (Lesley Nicol) tem outra preocupação, finalmente ter uma primeira noite com o marido, o que rende um pedido de conselhos à sra. Hughes (Phyllis Logan) num dos momentos mais deliciosos de um filme cheio de boas tiradas.

Visualmente, o filme é um deleite, com uma linda direção de arte e em especial para quem admira belos figurinos de Anne Robbins. O vestido de Lady Mary para a festa que a estabelece como persona non grata na sociedade civilizada é um exemplo do figurino da década de 1930. E a escolha do vermelho, cor associada tanto ao amor romântico como ao pecado, sem esquecer da emblemática protagonista de A Letra Escarlate, também uma pária e que usa a cor como afronta à sua condenação, é perfeita para o momento.

Não faltam pequenos detalhes para agradar os fãs da série. Os personagens comentam sobre o Turco, referência a Kemal Pamuk (Theo James), diplomata que morre em circunstâncias picantes na primeira temporada. Também citam a mãe de Cora (Elizabeth McGovern), interpretada por Shirley MacLaine em um especial, Matthew (Dan Stevens) e Sybil (Jessica Brown-Findlay), mortos pelo desejo dos atores de deixarem a série, enquanto a inesquecível Lady Crawley, interpretada pela ainda mais inesquecível Maggie Smith, parece ainda questionar o que é um final de semana do alto de seu retrato num lugar de honra da mansão.

É um final digno e emocionante – mesmo – para toda a trupe da série, com momentos emblemáticos para todos e que culminam na presença de Noel Coward (Arty Froushan), em Downton Abbey anunciando que vai aproveitar o que vê para escrever sua peça Vidas Privadas, num cruzamento de realidade e ficção digno de uma produção que usou o Titanic para catapultar uma série sobre família e sociedade. Estreia em 11/9 distribuído pela Universal Pictures.

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