Lucas Guadagnino faz um esforço enorme para Depois da Caçada parecer um “filme de arte” e isso transparece em cada cena do longa estrelado por Julia Roberts, Andrew Garfield e Ayo Edebiri, todos devidamente mal aproveitados.
O cenário é Yale, uma das universidades “ivy league” dos Estados Unidos, o grupo de elite do ensino universitário. Nesse lugar de vida intelectual vibrante, a professora de filosofia Alma Imhoff (Roberts) e seu marido, o psicanalista Frederick (Michael Stuhlbarg) organizam um jantar para amigos e alunos. Entre os convidados está Hank (Garfield), amigo de longa data, como provam as pernas jogadas sobre o sofá no tipo de conforto que só se tem na própria casa, e Maggie (Edebiri), doutoranda de Alma.
A conversa é dominada por questões acadêmicas, perguntas sobre teses, dúvidas sobre quem será promovido no competitivo ambiente da educação superior. “Publique ou pereça’, diz Alma em um momento, lembrando a pressão sobre os professores de publicar trabalhos ou ficar para trás perante os colegas.
No tema reminiscente de Oleanna, de David Mamet, Maggie procura Alma horas após o jantar para contar que Hank “ultrapassou o limite”. Carismática, elegante, Alma é uma defensora dos direitos da mulher e Maggie espera seu apoio incondicional. O relato, entretanto, parece fora de tom. Alma pressente algo, mas não sabe que, durante o jantar, Maggie encontrou escondido no banheiro da casa, um envelope com uma informação sobre o passado da professora.
Na crise que se segue, Alma precisa decidir de que lado está sua lealdade, com a aluna e mulher, ou com o amigo que jura que nada aconteceu, num balanço que inclui questões de gênero – homem x mulher, raça – Hank é branco, Maggie é afrodescendente e privilégio – Hank é assalariado, Maggie é milionária. Isso enquanto ela luta com um misterioso problema de saúde e o marido aponta que Alma pode ter se deixado levar pela adoração de Maggie, que obviamente idolatra a professora ao ponto da cópia do guarda-roupa. Deveria ser um estudo em ambiguidade, em que o público seguisse em dúvida quanto ao relato de Maggie, sempre cheio de teatralidade, e as garantias de Hank, que vê a acusação destruir toda a carreira pela qual trabalhou. Mas, tudo é atrapalhado pela trilha sonora que por vezes interfere nos diálogos, acompanhada pelo tique-taque de um relógio que indicaria suspense, caso não fosse apenas irritante, como se o diretor não acreditasse que o público seja capaz de entender o que se passa.
Não há muita lógica em Alma esconder algo importante de seu passado num envelope no banheiro. Algo encontrado com tanta facilidade por Maggie certamente já teria sido visto pela empregada ou até o marido de Alma. Há ainda o fato da professora ter um apartamento afastado onde ela se refugia para trabalhar, esconderijo, sem dúvida, bem melhor. Também não há motivo para Alma não ter informado Maggie imediatamente sobre os problemas de autoria em sua tese.
Mesmo com essas inconsistências, Julia Roberts conduz Alma de forma perfeita até o conflito final com Maggie, quando mesmo o forte verniz de Yale não consegue vencer a necessidade de uma boa troca de insultos. Já Andrew Garfield une bem a personalidade ressentida e charmosa de Hank com o ódio de ver sua vida destruída, e merecia mais tempo em cena. Infelizmente para todos os envolvidos, o resultado é uma mistura de situações que terminam de forma rasa e sem impacto, como aquelas teses de doutorado de títulos longuíssimos que ninguém entende por que foram produzidas e terminam em algum arquivo juntando poeira.
