É muito comum as pessoas confundirem realismo fantástico com surrealismo, especialmente quando esses gêneros artísticos são utilizados no cinema. A diferença é bem sutil. O surrealismo usa o inconsciente freudiano para revelar uma outra realidade. Surgiu no pós-Primeira Guerra, tendo como precursores cineastas como o espanhol Luis Buñuel, com o seu perturbador Um Cão Andaluz (1929). Já o realismo fantástico mistura realidade com fantasia, sobrenatural e até ficção científica.
Embora tenha surgido nos anos 40, através de obras como Ficciones, de Jorge Luis Borges, o realismo fantástico ainda encontra ressonância no cinema contemporâneo. Diversas produções recentes ilustram como esse gênero consegue ser bem-sucedido: Asas do Desejo (1987), Pleasantville – A Vida em Preto e Branco (1998), O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001), O Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004), O Labirinto do Fauno (2006) e O Curioso Caso de Benjamin Button (2008).
É nesse contexto que se encaixa o intrigante Mister K, estrelado por Crispin Glover, conhecido pela trilogia De Volta para o Futuro. Ele interpreta um mágico decadente, que vaga pelo interior fazendo apresentações em boates e restaurantes. Depois de uma fracassada apresentação em um clube noturno, Mr. K se hospeda em um pequeno hotel, antes de seguir para sua próxima apresentação.
Se sua carreira como mágico parece estar nas últimas, esse hotel também não parece estar indo bem das pernas. Ao chegar no quarto, a primeira surpresa é encontrar o zelador embaixo de sua cama e a camareira dentro do guarda-roupas. Aos poucos, aquilo que poderia ser considerado algo raro parece fazer parte da rotina do lugar.
Mr. K não consegue descobrir como chegar ao lobby do hotel. Ele tenta de todas as maneiras, tendo a impressão de estar num labirinto ou, pior, em um lugar onde os corredores mudam de lugar, dificultando o acesso a qualquer destino. Isso lembra o que acontece com a equipe de documentaristas no filme A Bruxa de Blair (1999). E vai ficando cada vez mais estranho.
Ao tentar recuperar suas malas, que desapareceram em uma dispensa em um dos corredores, K acaba entrando numa área onde está sendo preparado um desfile de moda, comandado pela exuberante Gaga (interpretada por Sunnyi Melles). Enquanto tenta entender o que está acontecendo, K acaba parando na cozinha do hotel, onde é colocado na linha de produção do próximo jantar.
O filme, criado pela imaginação muito fértil da cineasta norueguesa Tallulah Hazekamp Schwab, não é um quebra-cabeças fácil de montar. Exatamente por estar inserido no realismo fantástico, não existe uma resposta simples para a pergunta que Mister K tenta responder: como sair daquele lugar?
Mister K parece uma mistura exagerada dos cultuados Depois de Horas (1985), de Martin Scorsese, e da comédia pós-apocalíptica Delicatessen (1991), da dupla Marc Caro e Jean-Pierre Jeunet. Onde uma tentativa de escapar de um lugar com personagens estranhos pode revelar algo muito mais intenso e surreal. Talvez até algo divino.
Crispin Glover é a força motriz desse filme. Um ator de método, que não se expõe, mas constrói personagens tão intensos que vale cada minuto da experiência. E, sem fazer mágica…
