Talvez Mary Shelley nunca tenha imaginado que seu livro, Frankenstein, escrito lá em 1818, seria tão aproveitado pela indústria do cinema. Começou com adaptações literais, como o Frankenstein de 1931, a paródia de Mel Brooks O Jovem Frankenstein (1974) ou mesmo Mulher Nota 1000 (Weird Science, 1985), levemente inspirado nesse marco da literatura gótica e de ficção científica.
E se a gente fala em estilo gótico, não tem como não cruzar o caminho do diretor mexicano Guillermo del Toro, que há muito tempo compartilhou com o mundo sua admiração pela obra de Mary e pela primeira versão dela para o cinema. Basta lembrar de O Labirinto do Fauno (2006) e de Hellboy (2004) para lembrar do seu estilo e perceber o quão bem ele navega entre a produção de prestígio e a produção comercial.
Para realizar Frankenstein, da Netflix, Del Toro afirmou que vinha aguardando as “condições certas” para tocar o projeto, considerando que o mito de Frankenstein parte de sua vida desde sua infância, no México. Portanto, trata-se de uma história, para ele, “incrivelmente emocional” e não um filme de terror tradicional.
Assim, a versão de Del Toro para essa releitura do Prometheus Moderno, passa longe de agradar àqueles fãs do gênero terror que querem ouvir um “it’s alive!” ou testemunhar cenas sanguinolentas, por exemplo.
O diretor e roteirista escolheu Oscar Isaac para viver Victor Frankenstein e Jacob Elordi para dar vida à criatura (aqui sem nome) justamente para corroborarem com sua visão. São atores menos mainstream e marcados por atuações mais intimistas, menos espetaculares. Del Toro sabia disso e, por exemplo, deixou Elordi à vontade para compor seu personagem, do nascimento à maturidade. Essa evolução chega a passar batida aos olhos menos atentos, simulando a relação uma relação pai e filho, aqui, criador e criatura.
Apoiada ainda em belas locações e cenários, Frankenstein também conta com doses moderadas de ação, em cenas protagonizadas pelo monstro e muito aguardadas pelo espectador. Ao final, acredito que o filme de Del Toro revela a essência do livro de Mary, mais interessada em propor discussão sobre imortalidade e o antigo desejo do homem brincar de ser Deus por um dia, do que botar medo nas pessoas.
No elenco ainda temos o mesmo Christoph Waltz de sempre (ainda tento apagar da memória aquele Drácula dele!) e Mia Goth, neta da atriz brasileira Maria Gladys e dona de uma beleza exótica.
Por fim, faça o exercício que eu mesmo fiz: relembre pelo menos dez produções tematizadas em Frankenstein. E, se não conferiu alguma delas, aproveite o final de semana para isso.
