Um dos primeiros momentos da filosofia de vida de Don Corleone, interpretado com maestria por Marlon Brando em O Poderoso Chefão (1972), é quando ele oferece a um produtor de cinema uma proposta da qual ele não pode recusar. A icônica cena da cabeça de cavalo se tornou um marco na história do cinema.
Sem sangue ou cabeças de cavalo, o que vemos hoje nas já tensas negociações pela venda da Warner Bros. Discovery se aproxima do que os americanos chamam de aquisição hostil (hostile takeover). Nesse cenário, uma empresa — no caso, a Paramount Skydance — ignora a proposta feita pela Netflix para a compra da WBD e decide oferecer diretamente aos acionistas uma oferta financeiramente mais vantajosa.
O que inicialmente parecia apenas um leilão corporativo se transformou em uma guerra de lances bilionários, cujo prêmio é o controle total da Warner Bros. Discovery. Os participantes iniciais dessa disputa eram a Paramount Skydance, a Netflix e a Comcast. Na semana passada, os advogados da Paramount enviaram um comunicado ao órgão de arbitragem da operação, afirmando haver certa parcialidade da Warner em favor da Netflix.
Na quinta-feira, o The New York Times, a Variety e o The Hollywood Reporter publicaram que a Netflix teria oferecido cerca de 83 bilhões de dólares pela empresa. A notícia teria deixado David Ellison, CEO da Paramount Skydance, frustrado, já que, desde o início das negociações, ele demonstrava a intenção de oferecer o que fosse necessário para assumir o controle integral da WBD. Segundo as reportagens, na proposta da Netflix, a empresa ficaria com os estúdios e com o serviço de streaming, abrindo mão dos canais lineares de TV.
Hoje, Ellison elevou as apostas: ofereceu aos acionistas da Warner Bros. Discovery 30 dólares por ação, o que levaria a venda ao valor final de 108 bilhões de dólares. Em comunicado oficial enviado à imprensa, Ellison afirmou: “A oferta da Paramount pela totalidade da WBD oferece aos acionistas 18 bilhões de dólares a mais em dinheiro do que a oferta da Netflix”.
Ellison reforçou ainda que “os acionistas da WBD merecem a oportunidade de considerar nossa proposta, que é superior, totalmente em dinheiro, e contempla a aquisição de todas as ações da empresa”. Segundo ele, a oferta da Paramount Skydance é pública e “possui os mesmos termos apresentados ao Conselho de Administração da Warner Bros. Discovery de forma privada, oferecendo valor superior e um caminho mais seguro e rápido para a conclusão”.
No comunicado, ele acrescenta que o Conselho de Administração da WBD estaria buscando uma proposta inferior, “expondo os acionistas a uma combinação de dinheiro e ações, ao valor futuro incerto do negócio de TV a cabo linear da Global Networks e a um processo regulatório desafiador”. Com isso, a Paramount Skydance leva sua oferta diretamente aos acionistas, como determinam as regras de uma aquisição hostil.
Muito se fala que o futuro do cinema pode sofrer impacto direto do desfecho dessa negociação, especialmente porque a Netflix afirma há anos que seu foco é o entretenimento doméstico, não o consumo em salas de cinema. A pandemia reforçou esse discurso, já que as bilheterias globais sofreram quedas significativas.
Para os mais antigos, o cinema enfrenta mais um momento crítico — como ocorreu na transição para o cinema falado, na chegada da televisão, na era do videocassete, do DVD, do Blu-ray e agora do streaming. Nada substitui a experiência de assistir a um grande filme em uma tela gigante. Mas, em um mundo onde as novas gerações assistem a filmes enquanto dividem a atenção com o celular, a sobrevivência do cinema como arte e meio de comunicação enfrenta novos desafios.
Aguardemos os próximos capítulos dessa novela corporativa, que promete durar mais do que se imagina.
