Crítica | Filme | Make a Girl

Crítica | Filme | Make a Girl

Num primeiro momento, quando se fala de androide e sua tomada de consciência pela evolução da Inteligência Artificial, o primeiro pensamento que vem à mente é o clássico moderno O Fantasma do Futuro, mais conhecido como Ghost in the Shell (1995).

A história é baseada no mangá que Shirow Masamune criou em 1989 e que Mamoru Oshii levou para o cinema, sobre uma androide que luta contra um hacker terrorista que está se infiltrando na rede de comunicação através de um vírus criado por IA.

Masamune discorre em sua obra sobre a possibilidade de uma inteligência artificial se tornar consciente de suas qualidades, a ponto de criar uma consciência viva capaz de questionar sua própria existência dentro da máquina que a mantém. O que ele chama de “Ghost” / “Fantasma” numa analogia mais simples poderia ser considerado como a alma do androide.

É nesse ponto que entramos na obra do jovem ilustrador japonês Gensho Yasuda e seu primeiro longa animado, Make a Girl (2025), que está chegando às telas brasileiras através da Sato Company. A história é literalmente o que o título original sugere: “Construir uma Garota”. Akira, um jovem gênio da robótica, está desenvolvendo uma nova linha de robôs para ajudar no dia a dia das pessoas. Ele acredita que, se criar uma namorada perfeita, não se distrairia com assuntos do coração.

Ele cria a Número Zero, a companheira perfeita que não apenas gosta de estar ao lado de Akira, mas organiza os encontros, deixando a vida do “casal” mais interessante. A rotina de Akira, contudo, sofre uma mudança que ele não esperava. Apesar de Zero colocar ordem em sua vida afetiva, Akira não consegue se concentrar do jeito que imaginava para continuar seu trabalho de pesquisa. Numa análise um tanto displicente, ele acredita que o problema seria dar espaço demais para uma relação que ele acredita não ter futuro. E, por isso, decide romper a relação.

A animação japonesa tem diversos bons exemplos de histórias sobre relacionamentos complicados que, ao longo da trama, mostram o tradicional caminho tortuoso para um futuro a dois. Veja alguns exemplos de Hayao Miyazaki, como A Viagem de Chihiro (2001), O Castelo Animado (2004), Ponyo – Uma Amizade Que Veio do Mar (2008), e o ganhador do Oscar de 2023, O Menino e a Garça. Todos esses filmes apresentam relacionamentos que, num primeiro momento, parecem impossíveis de acontecer, mas, após as arestas aparadas, o amor acaba prevalecendo.

Você pode ver essa estrutura na obra de Yasuda, sem as fantasias românticas de outras animações populares do Estúdio Disney. Quando Akira percebe que construiu uma máquina capaz de obedecer ao programa criado para simular um relacionamento afetivo, o desafio intelectual acaba sendo ofuscado por sentimentos reais de frustração, surpresa e, em determinado momento, medo de ter mexido com algo muito errado.

Numa analogia mais cinematográfica, é como se o Dr. Frankenstein percebesse, antes de acionar a chave que daria vida a uma criatura formada por corpos de pessoas mortas, que ele foi longe demais em sua busca pela vida eterna. Akira foi longe em sua acomodação romântica, e vai sofrer muito por isso.

É um momento que os especialistas dizem que muda radicalmente a história. Zero percebe que foi usada e só quer saber se Akira sente algo por ela… de verdade. É como se assistíssemos ao momento em que o personagem de Hugh Grant, em Um Lugar Chamado Notting Hill (1999), percebe a tremenda besteira que fez ao rejeitar um relacionamento com Julia Roberts.

A diferença é que a tensão gerada por esse momento é muito mais complicada, sinistra e violenta. Não é como acontece em Metrópolis (2001), filme de Katsuhiro Otomo baseado na obra de Osamu Tezuka, quando a androide Tima é tomada pela inteligência artificial da cidade e decide destruir tudo, mesmo com o jovem Kenichi, que tem uma paixão contida por ela, implorando para que ela pare com a destruição.

Make a Girl é uma surpresa. A história, como já mencionei com Frankenstein, não é uma novidade, mas a forma como Gensho Yasuda estruturou a narrativa, mesclando cenários visualmente fascinantes e utilizando animação 2D com 3D de maneira simples e eficiente, coloca esses personagens cativantes em uma história que, no futuro, será lembrada pela ousadia.

E o cinema japonês mostra que ainda existem boas histórias a serem contadas. Estreia em 11/12 distribuído pela Sato Company.

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