Há tempos, uma queda, em decorrência de mídias mais rápidas e fluidas, vem ocorrendo em relação aos road movies. Afinal, em uma sociedade mecânica e de respostas e condições instantâneas, onde há espaço para obras em que o diálogo em constante via rodoviária é mais importante do que um suposto roteiro?
Mesmo com o gênero em queda, devido a limitações e uma mudança cinematográfica constante, Nicolas Cage aparenta ter certos laços com o mesmo ao participar de diversas produções do gênero nas últimas décadas.
Pig, Mandy, Coração Selvagem (provavelmente, aliás, um de seus suprassumos de carreira), A Lenda do Tesouro Perdido e até mesmo os longas do temeroso anti-herói Motoqueiro Fantasma são alguns exemplos.
Em Ligação Sombria, título que a Diamond Films entrega ao circuito nacional em 19/9, Cage retoma ao seu triunfo em relação ao gênero cinematográfico.
A obra aborda a pacata vida de David (Joel Kinnaman), um trabalhador com uma vida, como já é óbvio, normal. Quando o mesmo está indo em direção ao nascimento de seu filho, encontra um homem estranho (Nicolas Cage) que o sequestra e o leva em direção ao nada.
É, de fato, curioso o tanto que um ator pode ser tão versátil de forma equivalente a Nicolas. Mesmo fazendo um protótipo de pessoa lunática, foge do padrão e subverte o tudo proposto. O sequestrador vai se revelando mais humano do que se pensa de uma figura quase “do diabo”, usando primordialmente diversos tons saturados de vermelho e certos tons de preto, enquanto a de bom homem vai se desconectando da realidade apresentada em um contexto inicial.
A fotografia, junto de seu uso de contraste intenso, faz um embate mental em relação aos dois. Enquanto luzes se amontoam na face de um, o outro é encoberto por toda sombra que o ambiente pode captar. Quase como uma brincadeira maniqueísta entre bem e mal que constantemente muda de sujeito, as luzes que enfeitam a face de um vão para o outro e as sombras tomadas se intensificam no suposto bom homem.
Toda essa construção em estética, apesar de simples e de fato interessante, não ergue uma obra por si. Às vezes, a maneira que um filme possui em forma compensa mais que seu conteúdo, afinal, cinema é um lugar onde o “como” é muito mais interessante do que o “que”. Esse não é o caso de Ligação Sombria.
A trama impõe através de todos aspectos técnicos o embate entre essas figuras opositoras. Porém, em questão conteudista, nunca quer abordar essas diferenças entre características interpessoais. O sequestrador é mal e louco e o homem bom é nobre e destemido no possível. Com, somente já em seu terceiro ato, certas atitudes para complementar mais camadas em cima desse “gato e rato” feito em filme.
Sua narrativa mais transparece e se utiliza da figura de Cage para mostrar as loucuras e peripécias da mente do protagonista, justamente para montar todos os embates morais entre os dois. O caos descontrolado da figura carismática não somente está sobrepujado nesta figura de sequestrador, mas no roteiro também. Nada parece em conjunto quando forma e conteúdo se unem, aparentando uma estética somente por ser bela, mais como um mecanismo sobre como ambientar em, do que aquele lugar de brigas recorrentes entre bem e mal é.
Ao final, o filme acaba por ser muito mais uma desculpa para usar o artifício de Nicolas Cage “pirando” em tela, com uma atuação concatenada com a trama e onde o ator realmente sabe se desafiar no papel, do que para construir tudo o que tenta, mas não consegue. Com embates morais frustrados, Ligação Sombria acaba por ser um descolamento desses momentos psicodélicos e com uma estética que, mesmo sendo quase lúdica, noturna e que retrata um ambiente de caos a toda instância, não acrescenta nada à narrativa e à mais importante pilastra de longas do gênero, os diálogos.
Em suma, Ligação Sombria é um recorte bem pequeno de uma premissa boa, mas que não sustenta o que um road movie necessita, sendo muito mais um trabalho para usar tal figura cinematográfica emblemática do que um filme consolidado. Colaboração especial de Lucas Tinoco
